
No consultório da minha psicóloga há muitos livros de Freud e Jung, bons exemplares de literatura (mundial e brasileira) e uma história em quadrinhos: uma graphic novel de Alison Bechdel.
Na casa de outra psicóloga que eu conheço, em meio a toneladas de livros e séries de TV, também achei um exemplar de Bechdel. Não é à toa: suas obras têm talento, reflexão e um pouco de dor, mas podem ajudar no amadurecimento do leitor.
Além de serem ótimas histórias em quadrinhos, é claro.

Apenas dois livros de Bechdel saíram no Brasil, ambos autobiográficos. O primeiro foi “Fun Home: Uma Tragicomédia em Família”, em que ela aborda o relacionamento com o pai, Bruce.
Bechdel trata de várias questões ao mesmo tempo: como ela saiu do armário, o casamento péssimo de seus pais (Bruce era gay não assumido), a difícil relação entre o pai e seus filhos. Para deixar ainda tudo mais denso, a morte dele, aos 44 anos, pode ter sido um suicídio.
A narrativa é intensa, mas fluida. A artista sabe dosar reflexões intensas com um pouco de humor, e o texto convida à reflexão, mas não entedia. “Fun Home”, inclusive, virou musical: primeiro, off-Brodway; depois, Broadway mesmo – este espetáculo levou cinco prêmios no Tony Awards de 2015, inclusive de melhor musical.
O outro livro que publicado por aqui é “Você é minha mãe? – Um Drama em Quadrinhos”. O título revela parte do enredo… mas só parte.
Sim, é uma obra autobiográfica que retrata a relação mãe-filha. Um tema complexo, não importa para que família se olhe. Como se isso não fosse o suficiente, ela aproveita para discutir a obra do psicanalista Donald Winnicott, autor dos livros “Natureza Humana”, “A Família e o Desenvolvimento Individual” e “Tudo Começa em Casa”.

O que será que atrai os psicólogos? O lado teórico, com a profunda abordagem da obra de Winnicott? Ou o lado “prático”: a maneira sincera, quase crua, como ela expõe as entranhas de sua família?
Não sei, mas posso falar do que gosto: a intensidade dos roteiros, a sinceridade como ela expõe suas emoções e a força de uma obra autobiográfica sem concessões. Uma ótima artista para encerrar essa primeira leva com 15 indicações de Quadrinistas Maravilhosos.

ps – Curiosidade: foi ela quem inventou o Bechdel Test (teste Bechdel). É uma maneira de ver se as mulheres estão representadas na ficção. Funciona assim: deve-se ver se há duas mulheres, devidamente identificadas, conversando entre si sobre um assunto que não seja homens.
Disse que parece simples, mas não é. Por exemplo: o instituto Geena Davis Institute on Gender in Media avaliou 120 filmes lançados entre 2010 e 2013 e viu que menos de um terço dos personagens com nomes eram mulheres.
Quem me apresentou a esse teste foi uma velha amiga, a mesma que me sugeriu o post sobre quadrinhos para apoiar no Catarse. Eu estava para lançar meu primeiro romance (“Venha me ver enquanto estou viva”), e levei uma das primeiras versões para ela ver. Ao pegar o texto, ela me perguntou: “Passa no Teste Bechdel?”. Eu não sabia o que era, mas felizmente passava.
O Bechdel Test surgiu em 1985 na tira “Dykes to Watch Out For”, um dos primeiros trabalhos de Bechdel, e não é garantia de que a mulher está bem representada nesta ou naquela obra de arte – é apenas um primeiro passo.
ps – Este post é o penúltimo de uma série chamada “Quadrinistas Maravilhosos“. A ideia é publicar 15 textos em três semanas. Amanhã é a vez de Posy Simmonds.
Já publicados:
- Joe Sacco
- Chris Ware
- Brian Michael Bendis
- Benoît Peeters e François Schuiten
- Salvador Sanz
- Garry Trudeau
- Riyoko Ikeda
- Jason
- Naoki Urasawa
- Miguelanxo Prado
- Alex Ross
- Laerte
- Rico Schacherl e Stephen Francis