Repare na imagem acima:  é a capa da edição desta semana da revista norte-americana “New Yorker”. Seu autor merece uma ou duas palavrinhas de um blog sobre quadrinhos.

Chris Ware, 52 anos, é um dos maiores quadrinistas vivos. Eu poderia encurtar este texto apresentando apenas alguns dos prêmios que já recebeu, mas você diria que eu sou preguiçoso (com razão). Então, vou abordar três características que o tornam tão acima da média: os roteiros, as ilustrações e a criatividade.

(Vou colocar a lista de prêmios no pé, porque vale a pena: só de Eisner Awards, o Oscar dos quadrinhos norte-americanos, ele já levou 21.)

Apenas um livro de Ware foi publicado no Brasil: “Jimmy Corrigan, o Menino Mais Esperto do Mundo” – a Companhia das Letras promete “Rusty Brown” para este ano.

Em “Jimmy Corrigan”, é possível ver um roteiro complexo, detalhista e, acima de tudo, sensível. O protagonista é um homem triste, sozinho, ingênuo, quase deslocado do mundo. Ele não conhece o pai, e surge uma oportunidade de isso acontecer. Como reagir?

Trata-se de um livro intimista e de leitura que não é fácil. Há idas e voltas no tempo e, muito importante, nada fica de lado. Cada detalhe, por menor que seja, há de ser ampliado.

Quando todas as peças que pareciam soltas são costuradas de volta, o “tecido” que se forma é praticamente um raio-X da alma de Jimmy Corrigan. E dá vontade de reler, mas é preciso respirar fundo antes de começar de novo, porque a história mexe contigo. Ware não tem medo de cutucar vespeiros como depressão e insegurança, temas tão difíceis quanto essenciais.

A precisão e o detalhismo de Ware não ficam apenas no roteiro. Sua arte também impressiona. Às vezes você se pergunta: como ele conseguiu enfiar tanta informação em uma página?

Há uma condensação de histórias contadas em cada quadro que pode até parecer exibicionismo, mas, felizmente, é uma arte integrada ao roteiro: tudo ali faz sentido, mesmo que você só perceba dali a alguns capítulos.

Sem falar que os desenhos são lindos.

Mas a arte dele vai além das ilustrações: ele já recebeu sete Eisner Awards de melhor design e outros quatro de melhor colorista. Ele não só ilustra a página (e o livro): ele os pensa, planeja cada detalhe. E aí entra a criatividade de Chris Ware. Seu domínio da arte chamada Histórias em Quadrinhos é tamanho que ele se dá ao luxo de a desmontar e remontar a seu bel prazer. Literalmente.

Seu livro “Building Stories” (“construindo histórias” ou “histórias do edifício”: as duas traduções servem) é uma caixa. Dentro da caixa, há 14 peças em formatos diferentes: pode ser uma revista de 20 páginas, um pôster enorme, um livro de capa dura etc. Cada peça tem histórias independentes, todas com algo em comum: se passam dentro de um mesmo edifício.

Toda essa originalidade, claro, não valeria nada se as histórias fossem fracas. Não são. A protagonista, uma mulher sozinha que teve uma perna amputada, te leva a refletir sobre solidão, sociedade, depressão. Sobre a prebenda que é ser humano, enfim.

Prometi que falaria dos prêmios de Ware. Vou apresentar um resumo dos seus 21 Eisner Awards, e você vai reparar que “Acme Novelty Library” aparece com frequência. É a série que ele edita, escreve e ilustra, onde alguns de seus personagens surgem em capítulos antes de serem reunidos em livros – casos de Jimmy Corrigan e Rusty Brown.

Vamos aos “Eisner Awards”:

  • Ganhou duas vezes como melhor escritor/artista: 2009 (pela série “Acme Novelty Library”) e 2013 (“Building Stories”)
  • Melhor escritor/artista de drama: 2008 (“Acme Novelty Library”)
  • Melhor colorista em quatro ocasiões: 1996, 1998, 2001 e 2006 (“Acme Novelty Library”)
  • Melhor série contínua: 1996 e 2000 (“Acme Novelty Library”)
  • Melhor graphic novel inédita: “Acme Novelty Library” nº 13 (2000) e “Building Stories” (2013)
  • Melhor reimpressão de graphic novel: “Jimmy Corrigan” (2001)
  • Melhor design: 1995, 1996, 1997, 2001, 2002, 2006 e 2013

Tem mais? Sim:

  • Melhor álbum no festival francês de Angoulême, por “Jimmy Corrigan” (2003)
  • Dois prêmios da National Cartoonists Society, a associação norte-americana de cartunistas e quadrinistas: melhor história em quadrinhos (1999, “Acme”) e graphic novel (2012, “Building Stories”)
  • Guardian First Book Award de 2001, concedido pelo jornal britânico “The Guardian”, por “Jimmy Corrigan” – primeira HQ a vencer esse prêmio
“Building Stories” tem HQ onde você menos espera, como na borda da caixa

ps – Este post é o 12º de uma série chamada “Quadrinistas Maravilhosos“. A ideia é publicar 15 textos em três semanas. Terça é a vez de Joe Sacco.

Já publicados:

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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