Eu queria desenhar tão bem quanto o Alex Ross. Não o Alex Ross de hoje, maduro, disputadíssimo, ídolo. Eu queria desenhar tão bem quanto o Alex Ross de dez anos de idade. Já era melhor do que eu sou hoje!
Alex Ross é norte-americano e tem 50 anos. É conhecido por sua impressionante arte hiper-realista, mas vai além: ele é um estudioso das histórias em quadrinhos, que ajuda a criar o conceito das histórias em que vai trabalhar. Ele parece um folclorista, mas enquanto o Câmara Cascudo entendia tudo da mitologia brasileira, Ross sabe detalhes do universo dos super-heróis – e busca sempre chegar na essência deles.
Seu primeiro grande trabalho foi a minissérie “Marvels”, escrita pelo excelente Kurt Busiek. Ross ilustrou com um realismo impressionante a saga de um jornalista que acompanhou o surgimento dos super-heróis da Marvel. Phil Sheldon, o protagonista, se referia a Vingadores, X-Men e Homem-Aranha como “maravilhas” – “Marvels”, em inglês, daí o título da obra.
“Marvels” foi um sucesso: mostrou o efeito dos super-heróis na vida dos humanos normais – Phil Sheldon, a mulher, as filhas, os colegas. Como você acha que Sheldon, jornalista experiente, se sentiu ao ver um mutante de carne e osso pela primeira vez? Com coragem e dignidade? E o que a família Sheldon sentiu no dia do casamento do Senhor Fantástico com a Mulher Invisível? Foi um deslumbramento à la casamento da família real britânica?
E aí Ross foi fazer uma minissérie para a rival da Marvel, a DC Comics. E aí o olhar saiu da humanidade e focou no “super”: em “Reino do Amanhã”, nós acompanhamos os heróis.
Em apenas quatro números, Ross e o roteirista Mark Waid apresentam mais de uma centena de personagens. Os extras que acompanharam as edições posteriores deixaram claro: nada é por acaso, mesmo o coadjuvante que aparece em um único painel é uma homenagem a alguém – de preferência, a um super-herói obscuro, de quem ninguém mais lembra, como a Mulher-Bala, o Americomando, a Tornado Vermelho e até aquele filho do Batman que só havia aparecido em uma história até então.
Mais do que homenagens, “Reino do Amanhã” buscou a essência dos personagens. O Flash sempre foi o herói mais rápido da Terra, certo? Dessa vez, ele será tão rápido que será puro movimento: você mal o verá, ele estará em todos os lugares. O Gavião Negro sempre foi um guerreiro vestido de gavião… agora, será um híbrido entre o homem e a ave, tão incorporado ao que seu nome representa que não consegue mais falar: agora há um bico em seu rosto, e não nariz e boca, além de asas de verdade.
E isso sem falar no que Waid e Ross fizeram com a “trindade” que sustenta o Universo DC: Superman, Batman e Mulher-Maravilha. Para mim, são interpretações icônicas dos personagens, que levam a cenas inesquecíveis.
Essa reverência de Ross se manteve por toda sua carreira. Quando ele lançou seu primeiro livro de ilustrações, dedicado apenas a personagens da DC Comics, escolheu o título “Mythology” (“mitologia”: eu falei que ele tinha um que de Câmara Cascudo).
Uma curiosidade: em raras vezes (não lembro de nenhuma, na verdade) seus trabalhos dão protagonismo aos anti-heróis, a quem é violento ou mata. Ross, como outros grandes artistas, prefere trabalhar com os super-heróis à moda antiga, que não babam de prazer quando há violência, matam ou têm atitudes toscas.
Procure o Justiceiro ou o Wolverine na mastodôntica trilogia da Marvel criada a partir de suas ideias e que Ross corroteirizou: “Terra X“, “Universo X” e “Paraíso X“. Em suas mais de 1.800 páginas, Wolverine aparece pouquíssimas vezes. Ele está casado com uma sósia do amor de sua vida, Jean Grey. Mas não é o que parece: a mulher o enganou e ele realmente acha que está casado com a heroína anteriormente conhecida como Garota Marvel ou Fênix. O Justiceiro sequer aparece. Isso não quer dizer que Alex Ross não goste destes personagens: mas ele talvez preferira os heróis, digamos, mais heróis.
Ultimamente, Alex Ross tem produzido livros de arte, capas e roteiros. Ou seja, há cada vez menos obras inéditas com arte interna dele. Se você nunca leu nenhum, eu começaria com “Marvels” e iria para “Reino do Amanhã”. Acredito que você irá se impressionar com sua arte cinematográfica.
Aliás, por falar em cinema… Todo ano, um artista é convidado para fazer o pôster oficial do Oscar. Apenas uma vez, em 2002, um quadrinista foi escolhido para esta tarefa: você adivinhou, Alex Ross.
Bela escolha, amigos da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
ps: Este post é o terceiro de uma série chamada “Quadrinistas Maravilhosos”. A ideia é publicar 15 textos nas próximas três semanas. Na próxima segunda, é a vez da Laerte.
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