
Uma vez, vi um colega perguntando à Laerte: “o que você diria a quem te chama de genial?”. Ela não pensou duas vezes para responder:
– Que leiam mais…
E sorriu, humilde.
Adoro a Laerte. Como pessoa, é simpática, educada… Como artista, vale um livro. Tomara que alguém já esteja escrevendo.

A carreira da Laerte tem muitas fases. Nos anos 70, bem politizada – com direito a vencer, em 1974, a primeira edição do Salão de Humor de Piracicaba, hoje o mais tradicional do país. Criada no auge da Ditadura brasileira, a charge vencedora mostra um menino sendo torturado e gritando: “O rei estava vestido!”, uma alusão à fábula de Hans Christian Andersen em que o menino grita a verdade que ninguém quer admitir (“O rei está nu!”) e é aclamado pelo povo. Naquele Brasil em que ela começou a carreira, a verdade era tratada com censura e tortura.

Nos anos 80 e 90, o nonsense e o humor dos Piratas do Tietê deram a tônica, além de outros personagens fixos, como os hilários Deus e Overman.
Algo mudou no trabalho dela nos anos 2000. Os personagens fixos foram sumindo, e o humor escrachado foi dando lugar a tiras oníricas, líricas, filosóficas ou ainda de humor, mas de outro tipo. As tiras da Laerte são distribuídas por jornais Brasil afora, e alguns deles (poucos, felizmente) cancelaram a tira quando houve essa mudança de rumo.

Por falar em rumo, há uma tira desse período que, para mim, retrata bem um pouco do que ela começou a explorar. São três quadros: no primeiro, um homem compra um mapa com uma a rosa dos ventos. No seguinte, ele está olhando atentamente para o papel, mas não há muito o que ver: estão lá marcados apenas os pontos cardeais – norte, sul, leste, oeste, nordeste, noroeste, sudeste, sudoeste. No último, que se passa no dia seguinte, o homem está comprando de novo a rosa dos ventos.
Como você interpreta essa tira? É de humor, pelo inusitado? É uma obra de reflexão sobre o quanto é difícil para o ser humano achar seu rumo?
Acho a fase atual da Laerte a melhor da sua carreira. Há duas constâncias em suas charges (toda terça, na Folha, e alguns outros dias em suas redes sociais) e em suas tiras diárias (em vários jornais nacionais).

A primeira é ver o quanto Laerte domina as técnicas dos quadrinhos. Há tiras que são quase indescritíveis porque ela usa os elementos artísticos de maneiras inusuais, talvez até inéditas. Há algumas em que a ponta do balão de fala, que normalmente associamos apenas como uma pequena parte do próprio balão, é usada de forma completamente diferente. Em outras, o requadro (a linha de contorno do quadro) é usado para qualquer coisa, menos como linha de contorno do quadro.
A segunda constante tem a ver com essa: a imprevisibilidade. Você nunca sabe o que esperar de uma história ou tira dela. E, quando começa, é quase impossível prever o final.
Laerte nos aconselhou a ler mais… É uma ótima dica, não dá para negar. Mas eu tenho aqui minha sugestão: entre em contato com os livros dela (como “Muchacha” e “Laertevisão”, por exemplo), com sua produção dos anos 2000 para cá.
Tenho a certeza de que você vai achar genial.

ps: Este post é o quarto de uma série chamada “Quadrinistas Maravilhosos”. A ideia é publicar 15 textos em três semanas. Amanhã é a vez de uma dupla sul-africana: Stephen Francis e Rico Schacher.
Já publicados:
Pedrão, sou fã do Laerte desde os anos 80, junto com los 3 amigos Luiz G e o pessoal da Dum Dum era o que havia de mais radical e revolucionário. Acho que quando se fala da Laerte um post só não é suficiente, mas Suriá não pode ficar de fora é outra revoluçao no que diz respeito a história para crianças. Ganhou todos os prêmios possiveis e imagináveis e acredito que os quadrinhos, por mais “adultos” que sejam sempre nos remetem a nossa infância. Mas uma vez te agradeço pelo texto e pels informações. Nesses tempos de confinamento a leitura vem sendo boa companheira e como tenho 2 amigos que adoram leituras Surià e Obelix vem sendo companheiros incríveis. Grande abraço e vá em frente que o Blog ta muito louco.
Wander, meu caro: você tem razão! Um post só para Laerte é muito pouco. Vou falar mais sobre ela em breve. Obrigado!
Laerte merecia uma estátua só por revelar o segredo do morcego. Sem falar nos palhaços mudos, nos piratas, no condomínio…
Ainda estou pensando na sua ideia de escrever um livro sobre o trabalho dela… Será que ela toparia?