O roteirista britânico Alan Moore escreveu algumas das séries mais dramáticas dos quadrinhos: “Watchmen”, “Miracleman” e uma linda história com a morte do Superman. Em 2007, ele aceitou dublar a si mesmo na animação “Simpsons”. No episódio, Moore aparece lendo uma HQ. Qual seria? Alguma do Superman? Ou uma obra de Jack Kirby, que ele tantas vezes homenageou? Não. Moore lia Luluzinha, de norte-americana Marge (1904-93).

Foi uma piada dos criadores dos Simpsons? Com certeza, pois surpreendeu o espectador. Mas, conhecendo o trabalho de Alan Moore, pode ter sido uma homenagem. Não vou cravar que foi, mas pode ter sido. Moore é conhecido por reverenciar os grandes autores que vieram antes dele. Por exemplo: em “A Liga Extraordinária – A Tempestade”, que é seu último trabalho em quadrinhos, ele escreveu seis perfis em prosa de quadrinistas que ajudaram a criar o formato como ele é – inclusive outra precursora, Marie Duval (1847-90). Por que ele não reconheceria o papel de Marge?

Marjorie Henderson Buell, que assinava como Marge, nasceu na Filadélfia em 1904 e desenhou desde cedo: aos 8 anos já vendia ilustrações para amiguinhos. Começou a publicar cartuns em 1920 – sim, com apenas 16 anos. No início da carreira, assumiu duas tiras em jornais, ambas protagonizadas por mulheres: “The Boy Friend” e “Dashing Dot”, publicadas nos anos 20.

Em 1934, Marge foi acionada para criar uma tira que substituísse um sucesso nacional: “Henry” (traduzido no Brasil como Pinduca ou Carequinha), de Carl Thomas Anderson. Marge pegou o ponta de partida de Henry – comédia em torno de um menino – e adaptou para o universo de uma menina. O resultado estreou em 1935: Luluzinha (Little Lulu, no original).

Luluzinha foi um sucesso. Aliás, é até um trabalho meio ingrato falar sobre ela: você provavelmente já sabe tudo. Acho que esse meu artigo aqui é um mero pretexto para espalhar algumas das minhas ilustrações favoritas delas entre os parágrafos 🙂

Alan Moore tem bom gosto

Em um universo que já era voltado para leitores masculinos, a precursora Luluzinha (criada três anos antes do Superman, veja só) trouxe histórias que eram para todos os gêneros, mas que primavam pelo carisma e humor de uma menina esperta e independente. Que criança não ia se encantar com ela?

Marge tocou a tira de 1935 a 30 de dezembro de 1944, acompanhando as dez primeiras adaptações da personagem em curtas animados – houve dezenas de outros desde então. Muitos artistas a sucederam com a Turma da Luluzinha, mas o principal foi John Stanley (1914-93), que escreveu suas histórias de 1945 a 59.

A fama da Luluzinha – e seu melhor amigo, o Bolinha (Tubby, no original) – cresceu a tal ponto que “clube do Bolinha” ou “clube da Luluzinha” são expressões comuns para nós, que falamos português.

Uma curiosidade: em 2011, foi criado um aplicativo apenas para mulheres. Com ele, seria possível avaliar… homens. O nome do app? Lulu. Em 2013, foi anunciado um aplicativo só para homens, em que seria possível dar nota para mulheres? Como chamava? Sim, Tubby, o nome original do Bolinha.

No fim, o Tubby não era um aplicativo, mas uma pegadinha para falar sobre os direitos das mulheres (ou não, a história ficou mal explicada).

Já o Bolinha e a Luluzinha ainda existem, em tiras que histórias puras e belas que trazem humor, leveza e muita imaginação para os leitores. Meninas e meninos podem entrar à vontade, ninguém é proibido!

ps – Este post é o 12º de uma série chamada “Quadrinistas Eternos”. Na próxima quinta será a vez de Tove Jansson. Já publicados:

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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