Em janeiro de 2015, cheguei para trabalhar e meu então chefe (Irineu Machado, um abraço!) me chamou enquanto eu ligava o computador: “Pedrão, houve um atentado a uma revista francesa de quadrinhos. Morreu um grande artista. Você deve conhecê-lo. Será que pode escrever algo sobre ele?”.

O atentado, claro, foi à redação do “Charlie Hebdou”. E o grande artista a que ele se referia era Wolinski – sim, eu conhecia, e escreveria o texto.

Eu havia lido poucas obras de Wolinski – até hoje, poucas saíram no Brasil (uma das minhas era portuguesa). Mas eu conhecia quem tinha lido muitas: Adão Iturrusgarai, fã confesso. Liguei para o pai da hilária Aline, e ele havia acabado de voltar da Patagônia. Levara cinco livros consigo: todos do Wolinski. (Você pode ler a entrevista aqui.)

Muito simpático (como sempre, aliás), Adão me deu uma aula sobre Wolinski. Ela me ajudou na época e, cinco anos depois, me embasa para o que vou escrever sobre ele.

Georges David Wolinski nasceu em Túnis, na Tunísia, em 1934. Seu pai foi assassinado quando tinha apenas dois anos. Aos 12 anos, mudou-se com a família para a França, onde fez a carreira. Seus quadrinhos abordavam, basicamente (mas não só), três temas: sexo, comportamento e política.

A crueza com que Wolinski retratava os temas foi um diferencial. Não havia tabus. Na capa do livro “Sexuellement Correct!” (“sexualmente correto”), um casal está pelado na cama. Em vez de serem retratados fazendo amor, entretanto, o que aparece é a mulher explicando didaticamente, com o auxílio de uma lousa, o que seu cônjuge deve fazer.

O franco-tunisiano criava um tipo de humor que, à primeira vista, criticava os homens: inseguros, machistas, bobos. Mas seu alvo era maior: a sociedade inteira.

Durante as revoltas estudantis de 1968, por exemplo, ele lançou a revista de sátira “L’Enragé” (“O Enfurecido”), onde sobrava para todo mundo. Ou seja, ela não tirava sarro apenas dos homens: era a Humanidade que ele cutucava.

O reconhecimento ao trabalho de Wolinksi não foi póstumo. O festival francês de quadrinhos de Angoulême, o mais importante da Europa, concede anualmente seu Grande Prêmio a um escolhido. Em 2005, Wolinksi, aos 70 e ainda ativo, foi o premiado.

Wolinski sempre publicou na França. Seu trabalho saia em jornais (“Libération”), revistas (“Paris-Match”) e no “Charlie Hebdo”, onde era um dos principais nomes. Além dele, outros 11 funcionários do “Charlie” foram assassinados no massacre de 7 de janeiro de 2015.

Há poucas edições brasileiras com trabalho do Wolinski. Felizmente, há, nos sebos, as originais francesas (para quem entende, claro!) e algumas portuguesas. Eu tenho uma coletânea de seus 25 anos de carreira, chamada simplesmente “Wolinski”, e embora nunca tenha achado à venda, sei que saíram por aqui “Meu Corpo É das Mulheres” e “Esse Mundo É um Bordel”.

Um pedaço da série cômica “Paulette” (com roteiro dele e arte de Georges Pichard) saiu no Brasil na saudosa coleção “Graphic Novel” da editora Abril – digo saudosa porque me apresentou a muitos autores interessantes, como… Wolinski.

ps – Este post é o 11º post de uma série chamada “Quadrinistas Eternos”. Na próxima terça será a vez de Marge, a criadora da Luluzinha. Já publicados:

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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