Cresci sendo um adolescente estranho e meio isolado. Ninguém ao meu redor curtia quadrinhos. Nunca disse em voz alta o nome dos meus ídolos: John Byrne, Neil Gaiman, Alan Moore, Ramona Fradon.

Já com mais de 20 anos, foi estudar quadrinhos na Quanta Academia de Artes. Fiz alguns cursos técnicos e tive aula, entre outros, com Marcelo Campos, criador do Quebra-Queixo e ex-desenhista da Liga da Justiça. Antes de tudo, sou fã dele: até hoje tenho na minha sala uma arte original autografada pelo Campos.

E eis que um dia, na aula, ele para do meu lado (provavelmente chorando por dentro com meus péssimos desenhos) e puxa assunto, falando de ídolos. E eu citei Ramona Fradon.

Aquaman e a primeira aparição de Aqualad, por Ramona Fradon

A reação foi surpreendente: Campos sorriu, levantou os braços e contou como a conheceu pessoalmente em uma San Diego Comic-Con. Citou ainda o trabalho dela em Aquaman e como curtia o traço dela. Meu ídolo e eu idolatrávamos o trabalho da mesma pessoa!

Ramona Fradon hoje tem 93 anos e, infelizmente, não cria mais quadrinhos. Foi uma pioneira dos comics norte-americanos. Começou na DC Comics em 1959 e, por décadas, ajudou a consolidar o Universo DC e sua extensa mitologia.

O traço de Fradon é claro, leve e divertido. Ela conduz as histórias com simplicidade – muitos de seus títulos eram voltados para crianças. Por exemplo: o desenho dos Superamigos, voltado para o público infantil, fazia sucesso na TV nos anos 70. A DC resolveu criar uma HQ para dar continuidade às histórias exibidas na televisão – elas não eram acorrentadas à cronologia oficial da editora. Havia mais liberdade com os personagens e mais leveza no enredo, e o traço de Fradon era perfeito para isso.

Outra grande qualidade de Ramona Fradon é como ela criava o visual dos personagens. O design deles, seus uniformes, seus rostos… Ela inventou alguns dos visuais mais legais de super-heróis da DC, como o Metamorfo.

Entre outros “filhos” dela estão Doutor Mist, um dos primeiros heróis africanos da DC; Garth, o Aqualad (parceiro-mirim do mesmo Aquaman); e até Topo, o polvo (!!) de estimação do Aquaman.

A primeira aparição do curioso Metamorfo

Uma das minhas personagens favoritas nos quadrinhos foi criada por Fradon e pelo escritor E. Nelson Bridwell: Fogo, a super-heroína brasileira membro da Liga da Justiça (ela até aparece no primeiro filme com esse supergrupo, lançado em 1997).

Fogo ainda se chamava Fúria Verde quando foi criada em 1979 (é com esse nome, inclusive, que ela aparece na série televisiva “Powerless”, lançada em 2017). Seu primeiro uniforme, criado por Fradon, é uma clara homenagem à bandeira brasileira.

De 1980 a 95 (quando se aposentou), Fradon ilustrou uma tira clássica: “Brenda Starr, Reporter”, que narra as aventuras de uma corajosa jornalista (vivida por Brooke Shields na adaptação para o cinema lançada em 1989).

Por seu lindo trabalho com Superamigos, Aquaman, Metamorfo e Homens-Metálicos, pelo trabalho com minha colega jornalista Brenda Starr e por ter criado minha compatriota Fogo:

– Thank you, mrs. Fradon!

Brenda Starr, a repórter

ps – Este post é o sexto de uma série chamada “Quadrinistas Eternos”. Amanhã será a vez do argentino Héctor G. Oesterheld. Já publicados:

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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