Em um texto sobre formatos inusitados para histórias em quadrinhos, mencionei na semana passada “The Upside-Downs”, de Gustave Verbeek. Hoje vou abordar um pouco mais a vida dele, e também falar de outra grande obra desse “japonês-holandês-americano”: “The Terrors of the Toy Tads”.

Antes de tudo, não custa relembrar “The Upside-Downs”: cada história é narrada em uma página, onde há duas tiras. Você as lê e lá se foi a primeira metade da história; aí você vira a página de ponta-cabeça, lê as mesmas duas tiras e lá está a conclusão.

Sim. Os mesmos desenhos servem nos dois sentidos de leitura: quando você está com o livro na posição normal e quando o vira de ponta-cabeça. Inacreditável.

Vou repetir o que fiz no domingo e republicar aqui uma página que já traz a leitura correta: repare que a terceira linha é a segunda de cabeça para baixo, bem como a quarta é a primeira invertida.

“The Upside-Downs” foi publicada de 1903 a 1905. Ou seja, por dois anos ele conseguiu a proeza de criar, semanalmente, histórias que fizessem sentido após a virada da página de ponta-cabeça: as HQs tinham início, meio e fim, nessa ordem.

Haja imaginação.

E haja talento, para criar personagens que coubessem em tanta imaginação.

Japonês filho de pai holandês e mãe francesa, Verbeek nasceu em Nagasaki (Japão) em 1867. Como seu pai, um missionário religioso, morou por mais de dez anos fora de seu país, ele perdeu a nacionalidade holandesa.

Verbeek cresceu em Nagasaki e Yokohama, mas também em Paris, e se estabeleceu nos Estados Unidos em 1896. Tentou se naturalizar norte-americano, mas a lei da época impedia a naturalização de japoneses.

Seus primeiros trabalhos foram como ilustrador. Três anos depois, em 1899, Verbeek começou a experimentar fazer histórias em quadrinhos. Sua primeira tira, “Easy Papa”, foi lançada em 1902 e durou menos de dois anos. A seguinte foi “The Upside-Downs” (1903-05).

Menos famosa, mas mais longeva, “The Terrors of the Toy Tads” foi publicada de 1905 a 1914. Uma vez mais, era um tipo de humor que agradava tanto a crianças quanto a adultos. Não havia o espetacular recurso de ter de virar a página, mas a imaginação, como sempre, sobrava. As piadas iam da comédia pastelão ao humor absurdo (ou sem sentido).

Nessa tira, os “tiny tads” (algo como “pequenos pequeninos”) vivem aventuras cercados de… animais que são mais do que animais. Por exemplo:

  • Eles se locomovem em uma mistura de automóvel com hipopótamo, o Hipopotomóvel (“Hippopautomobile”, no original). Parece um carro, mas tem as patas e o rosto de um hipopótamo feliz;
  • Começou a chover? Por sorte, eles são amigos de um Elefanteguardachuva (Umbrellaphant), um quase elefante com dois guarda-chuvas enormes no lugar das orelhas;
  • Um perigo é o ataque do temível Piananimal (“Pianimal”), um piano que toca músicas, mas tem cauda, patas, dentes-teclas e é peludo!

Ou seja, todas essas criaturas “mágicas” são “desculpas” para Verbeek colocar em prática sua imaginação monstruosa, aliada ao talento de quem aprendeu Arte com influências japonesa, francesa e norte-americana. São obras-primas, mas infelizmente nunca um livro dele foi publicado no Brasil. Se pudesse, eu pediria ajuda a uma impressoragêniomágico ou a uma fadalapiseira para realizarem esse meu desejo.

ps – Este post é o quarto de uma série chamada “Quadrinistas Eternos”. Amanhã será a vez do mangaká Osamu Tezuka. Já publicados:

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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