Nos últimos três dias, estivemos aqui, no Hábito de Quadrinhos, falando sobre a série “Sandman”, que vai virar seriado da Netflix: o Sandman precursor da Era de Ouro dos Super-Heróis, o Sandman onírico da Era de Prata e, finalmente, como Neil Gaiman revirou o conceito do personagem de cabeça pra baixo (e em todas as direções, aliás) nos anos 80 e 90.

Também ressaltamos muitas das qualidades dos roteiros de Gaiman, inclusive na criação de coadjuvantes. Mas não mencionamos que uma das inicialmente coadjuvantes ficou tão popular que virou um hit: Morte, a irmã mais velha do Sonho.

Esqueça a caveira com capuz, foice e voz tétrica. A Morte de Gaiman pode aparecer aos humanos como quiser, mas normalmente opta por ser uma pessoa alegre, doce, paciente, – uma jovem com visual gótico, simpática e encantadora, com um ankh pendurado no pescoço. Tanto carisma rendeu duas ótimas minisséries a ela, “O Alto Preço da Vida” e “O Grande Momento da Vida“, ambas com roteiros de Gaiman e arte do criativo Chris Bachalo.

Morte faz parte de uma família conhecida como os Perpétuos: são sete representações cósmicas, mais essências do que deuses: Destino, Morte (claro!), Sonho, Desejo, Desespero, Delírio e o misterioso sétimo irmão, que não vou dizer quem é para não ser spoiler caso você não tenha lido a HQ (não sei se ele vai aparecer na série, espero que sim).

Todos os sete Perpétuos são poderosíssimos, capazes de destruir planetas inteiros. Por isso, é curioso ver o quanto a Morte parece simples, comum, a vizinha simpática e extrovertida que mora no andar de baixo. Cada vez que entra em cena, rouba os holofotes dos demais personagens e te faz querer que ela fosse sua amiga.

A simpatia da Morte também disfarça a profundidade de suas cenas (e diálogos). Com muita simplicidade, ela aborda temas difíceis, como o luto, a separação, a finitude humana… Tudo isso com um sorriso no rosto. Você praticamente esquece quem é que está falando.

Tanta simpatia fez com que a Morte virasse um ícone pop que transcendeu a série, recebendo várias homenagens em outros quadrinhos. A mais inusitada foi na Marvel, editora eternamente rival da DC.

Em 1994, Rick Jones, o melhor amigo e ex-parceiro do Hulk, finalmente se casou com sua amada Marlo. Peter David (roteiro) e Gary Frank (arte), que conduziam o gigante esmeralda em uma ótima fase, poderiam presentear os leitores “apenas” com uma história bacana para a cerimônia. Mas colocaram uma cereja no bolo.

Os convidados especiais estavam lá: Hulk e Mulher-Hulk, claro; Capitão América e Rom (Jones foi parceiro de ambos); e uma jovem com visual gótico, simpática e encantadora, com um ankh pendurado no pescoço, que aparece por apenas três quadros. Ela não diz seu nome, e nem seu rosto nem seu ankh aparecem, ficam sugeridos. E o que esta moça faz? Apenas dá um presente para a noiva e vai embora. Quando Marlo abre a caixa, vê que o presente é uma escova de cabelos – e não entende nada. Quem era ela? Por que veio ao casamento? Como sumiu misteriosamente? E, acima de tudo, por que uma escova de cabelo?

Misteriosos são os caminhos da insondável Morte…

ps – Esta história só saiu uma vez no Brasil, na revista “O Incrível Hulk” nº 161, da editora Abril, em 1996.

Please follow and like us:

Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

Quer falar comigo, mas não pelos comentários do post? OK! Meu e-mail é pedrocirne@gmail.com

LinkedIn: https://br.linkedin.com/in/pedro-cirne-563a98169