Semana passada eu terminei de publicar uma série de artigos sobre 15 artistas contemporâneos que considero Quadrinistas Maravilhosos. Eles estão na ativa, e procuro seguir tudo o que fazem.

Pois hoje vou começar uma série nova: Quadrinistas Eternos. Considerando tudo o que já foi produzido na nona arte, 15 é um número muito baixo para este tipo de recorte. Consideremos, então, essa como uma primeira leva. Voltaremos a conversar sobre quadrinistas eternos em outros momentos – e também sobre os contemporâneos.

Snoopy está claramente aprovando o trabalho do Schulz

Para começar, escolhi um artista que fez parte da minha infância. E da adolescência. E da fase adulta, claro. Falo do norte-americano Charles Schulz (1922-2000), criador dos maravilhosos Snoopy e Charlie Brown.

Quando criança, eu gostava dos desenhos animados do Snoopy – era um dos poucos a que eu assistia. O que me deixava mais feliz: meus pais viam comigo. E isso não à toa. Acho que há pelo menos quatro fatores que levam as pessoas a se apaixonarem pelo cãozinho Snoopy e o mundo à sua volta.

  • O humor

Schulz lançou a tira “Peanuts” em 1950, e ela foi publicada continuamente até o ano de sua morte, em 2000. E desde o início está lá o elemento a que Charlie Brown e sua turma mais se associam: o humor.

Tudo é engraçado em “Peanuts”: as tiradas inteligentes do Snoopy, a maré de azar que persegue Charlie Brown, a pureza do Linus, a chatice da Lucy… É uma história em quadrinhos constantemente lembrada por ser engraçada – mais vai além disso.

Curiosidade: Schulz detestava o nome “Peanuts”, imposto pelo editor.

  • O lirismo

Para mim, o que coloca “Peanuts” em outro patamar é que ela não é uma tira “apenas” de humor – não que isso fosse pouco, claro. Mas há uma imensa dose de lirismo e reflexão. Quem já se sentiu sozinho ou viveu um amor não correspondido certamente se identifica com Charlie Brown. Quem não foi bom em nenhum esporte (o/), também.

Na verdade, as tiras de Schulz são tão bonitas e humanas que é capaz até de “deuses esportivos” como Pelé, Hortência, Zico e Rainha Marta se identificarem com elas.

Acho que só comecei a perceber o lirismo de Schulz quando era adolescente – e, adulto, essa qualidade só fez aumentar meu apreço pelas histórias.

  • A imaginação

Charlie Brown nunca conversou com sua amada Garotinha Ruiva – exceto em sua imaginação. Snoopy jamais foi um piloto na Primeira Guerra Mundial, mas suas aventuras como o Ás Voador, vividas sobre o telhado da sua casinha, são o máximo.

Esses escapismos, divertidíssimos, são mais um convite a apreciar a imaginação dos personagens de Schulz – e a despertar a nossa própria.

Na mais recente edição de “Peanuts Completo” lançada no Brasil, a imaginação do Snoopy nos leva a conhecer as incríveis aventuras do Jogador de Hóquei Mundialmente Famoso, do Patinador Mundialmente Famoso e do Caixa de Mercado Mundialmente Famoso. Sério, é demais!

(A editora L&PM está lançando no Brasil todos os 25 volumes da coleção “Peanuts Completo”. O último que saiu foi o décimo, que reúne as tiras lançadas em 1969 e 70.)

  • O “derrotado” Charlie Brown

Há muitas situações em que Charlie Brown lamenta sua falta de sorte: o amor não correspondido; o fracasso do time de beisebol que ele treina e só perde por placares humilhantes; o fato de jamais conseguir chutar uma bola de futebol americano quando é sua amiga Lucy quem a segura (ela tira a bola, fazendo com que ele se espatife no chão); o enorme sentimento de solidão que o assola de quando em quando.

E, mesmo assim… Ele é puro, otimista, leal. Um amigo que está lá a qualquer momento: pode perguntar para todos eles: o Snoopy, a Sally (sua irmã), o Linus, o Schroeder, a Patty Pimentinha…

Se ser tudo isso implica em ser um “derrotado”, eu gostaria de ser um “derrotado” como Charlie Brown.

ps – Este post é o primeiro de uma série chamada “Quadrinistas Eternos“. Amanhã será a vez do argentino Quino.

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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