Ontem, conversamos aqui sobre “Reino do Amanhã“, um dos pontos altos da DC Comics nos anos 90. Escrita por Mark Waid e pintada por Alex Ross, a história mostra um eventual futuro em que Superman, Batman, Mulher-Maravilha e Shazam se veem em conflito com uma nova geração de super-heróis, que esbanja poderes, mas sem nenhuma ética ou responsabilidade.

“Reino do Amanhã” tem um “problema”: é curta. São apenas quatro números – e dentro deles há um caminhão de homenagens e referências criadas pela dupla Waid & Ross. Essa minissérie teve uma continuação, “The Kingdom” (“O Reino”), sem Alex Ross na arte e com um Mark Waid bem menos inspirado. Mas teve uma versão em romance, que comentamos ontem por aqui, e, e esta é a razão por trás deste texto: trata-se de uma obra tão rica que vale uma releitura – mas com uma “ajudinha”.

Um fã (não sei quem é) lançou em 2000 um site feio na aparência mas lindo no conteúdo: Kingdom Come Annotations (“Anotações sobre Reino do Amanhã”, em tradução livre). Página a página, quadro a quadro, o incansável escriba detalhista vai nos mostrando camadas que dão cada vez mais profundidade às homenagens.

Um exemplo: há um quadro, logo nas primeiras páginas, que mostra uma livraria com algumas obras expostas – se você estava com pressa, nem viu. Mas lá estão, por exemplo, “Under the Hood”, creditado a Hollis Mason: trata-se de um livro importante dentro da minissérie “Watchmen”, de Alan Moore e David Gibbons. Os primeiros capítulos de “Under the Hood”, aliás, podem ser lidos em “Watchmen” – lembro até de um trecho dando uma dica a escritores: comece seus livros sempre com histórias tristes.

A preença de “Under the Hood” poderia ser só uma homenagenzinha singela, mas ao seu lado estão livros que também só existem dentro dos quadrinhos da DC: “Alternate Egos”, de John Law – o herói obscuro conhecido como Tarântula, criado lááá em 1941; e “Behind the Mask”, de Jessie Chambers, heroína coadjuvante das histórias do Flash e filha de outros heróis do início da DC, Johnny Quick e Liberty Belle. Um quadrinho, quatro heróis e a mini “Watchmen” homenageados.

Outro exemplo: em uma das primeiras páginas a aparecer o Superman, vemos dentro de um único quadro uma estátua de seus pais biológicos, Jor-el e Lara, segurando o planeta Krypton; um traje de batalha kryptoniano; um robô-servo; um robô de um dinossauro T-Rex; um diário gigante; uma cidade engarrafada. Nada disso foi criado por Mark Waid ou Alex Ross, tudo já fazia parte da mitologia do nosso Homem de Aço favorito. É este quadro que reproduzo abaixo.

Kingdom Come Annotations vai assim, página a página, quadro a quadro, abrindo caminhos para uma leitura ainda mais interessante do “Reino do Amanhã”. Mais: pode dar vontade de ir atrás das histórias originais – o intuito por trás das homenagens de Mark Waid e Alex Ross. E, claro, dá vontade de reler a minissérie – e, em alguns momentos, você vai bater com a mão na testa e se perguntar “como eu não vi isso antes?!?”.

Tudo tem um porém. Apesar da sua qualidade, Kingdom Come Annotations está disponível apenas em inglês. Se isso não for um problema para você, é só clicar aqui. Se não for… você pode se divertir relendo “Reino do Amanhã”, agora prestando mais atenção em cada detalhe. Duvido que não ache algo que te surpreenda – você percebeu que na cena final, em que Superman, Batman e Mulher-Maravilha conversam na mesa de um restaurante, a tolha é umm super-herói disfarçado? Pois é. Nem eles.

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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