Os multiversos que vemos hoje nos filmes e seriados de super-heróis (alô, Universo Cinematográfico Marvel) têm raízes nas edições especiais de “what if…?” (“O que aconteceria se”, da Marvel) e “elseworlds” (com histórias em realidades alternativas, da DC). São HQs em que os personagens que conhecemos são transportados a outros locais e ou momentos temporais – por exemplo, um Superman que é criado na União Soviética e se torna um herói comunista.

Estas histórias “alternativas” sempre existiram nos quadrinhos de super-heróis, mas começaram a se popularizar quando saltaram das revistas mensais e ganharam edições próprias, fossem minisséries ou edições de luxo. Uma dessas primeiras obras a ganhar tanto destaque é, até hoje, uma das minhas favoritas: “Reino do Amanhã“, escrita por Mark Waid, lindamente pintada por Alex Ross e estrelada por Superman, Batman, Mulher-Maravilha e Shazam.

Um resumo: em um futuro próximo, Superman se aposentou. Sem ele, a nova geração de super-heróis cresce sem sua “bússola moral”, e as coisas começam a dar errado. Um ponto de partida tão simples permitiu a Waid e Ross se aprofundarem em seus personagens, ao mesmo tempo em que homenageavam dezenas – dezenas mesmo – de heróis da DC, dos mais clássicos aos completamente obscuros. Infelizmente, para mim e trocentos outros leitores, este mundo incrível durou apenas quatro edições mensais.

Ou não.

Há maneiras e maneiras de se aprofundar em uma obra como esta. Uma delas foi criar um romance, em prosa, a partir da HQ. Esta tarefa coube a Elliot S. Maggin, que lançou o livro “Kingdom Come”. Pode parecer uma transposição pura e simples da HQ, mas não é. É uma história própria, com alguns pequenos detalhes diferentes.

O ponto de partida do romance, assim como a HQ, é o reverendo Norman McCay (acima, encontrando o Especto), um religioso com problemas com sua fé. Ele é atraído para o mundo dos super-heróis e acompanhando de perto o drama pesado envolvendo os supracitados Superman, Batman, Mulher-Maravilha e Shazam. O mérito de Maggin foi se aprofundar em McCay, o que o tornou apto a se distanciar o suficiente da obra original a ponto de contar sua própria história.

Diferentemente do quadrinho original, aqui ficamos sabendo muito mais sobre McCay, seu casamento, sua família e sua amizade de longa data com o aposentado Wesley Dodds, o Sandman. Vemos o reverendo versar sobre religião e espiritualidade com a mesma naturalidade com que fala dos super-heróis. Afinal, este é um drama sobre super-heróis, e não faria sentido se distanciar deles.

Assim, vemos, ainda que não tanto quanto eu gostaria, detalhes sobre os grandes heróis da DC. Como Wally West, o Flash, lida com as forças de segurança da cidade que protege – e o que o levou a se distanciar de sua filha. Há mais detalhes sobre o relacionamento amoroso entre Superman e Mulher-Maravilha – e sobre suas diferenças de postura ante os problemas. Há algumas cenas descrevendo o impacto dos super-heróis nos humanos: os comandantes das nações mais poderosas do mundo os temem – afinal, são criaturas que, no limite, conseguiriam enfrentar exércitos inteiros. Tudo isso é pincelado na HQ, mas fica mais intenso e longo no romance.

Entre as diferenças, a mais impactante é o final reservado ao Batman. Na HQ, ele continua um solteirão convicto, com a diferença de ter um afilhado: o filhote do Superman com a Mulher-Maravilha. No livro em prosa, isso é mantido, mas ele parte para ter um romance com… não, não vou dizer aqui, lamento.

Nós, leitores brasileiros, temos dois grandes problemas com esta obra divertida. O primeiro é a barreira do idioma: não foi traduzido, então dispomos apenas do original em inglês. O segundo é que é um livro difícil de achar – e, portanto, caro. No momento em que escrevo, ele está à venda por quase R$ 700 na Amazon! (Eu também não acreditei, tirei um print para convencer a mim mesmo…) Mas não desanime, paguei muito menos. Foram anos até achar, mas consegui.

Se você nunca leu “Reino do Amanhã”, recomendo. É uma HQ rica, umas das melhores histórias de super-heróis que já li. Se você leu, gostou e quer se aprofundar, vejo dois caminhos. Um é este romance. O outro… comento amanhã. 😉

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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