A Netflix estreia, na semana que vem, “Sandman”, seriado que adapta a HQ memorável criada pelo britânico Neil Gaiman. Não sei se a série será boa, mas é uma ótima oportunidade para falarmos do meu quadrinho favorito… Então, tirei a semana para falar do personagem.

A DC Comics lançou a série do Gaiman em 1989. É uma HQ original (tremendamente original, aliás), que bebeu levemente em duas outras séries com o mesmo nome lançadas pela editora décadas antes. Vale a pena começarmos este Dossiê Sandman pela primeira delas – afinal, Gaiman costurou com maestria sua obra, reverenciando os “Sandmans” que vieram antes.

Os quadrinhos norte-americanos deram um salto em 1938, quando surgiu o Superman (que nem era tão super assim, sequer voava). O estupendo sucesso do personagem fez com que surgisse a chamada Era de Ouro dos Super-Heróis, com dezenas de personagens surgindo mensalmente. As editoras apostavam que, entre tantas novidades, alguma brilharia. Proporcionalmente falando, poucos fizeram sucesso estrondoso entre 1938 e 44, além do último filho de Krypton: Batman, Capitão América, Capitão Marvel (Shazam)… E acho que paramos por aqui.

Um dos heróis surgidos nesta época era um humano comum, mas exaustivamente bem treinado e que fazia patrulhas noturnas por sua cidade munido apenas de um uniforme, máscara e armas peculiares. Durante o dia, escondia-se sob a fachada de milionário entediado, enquanto a noite combatia o crime ao lado de seu parceiro mirim. Sim, estou falando do Batman… E do Sandman, praticamente outra versão do Morcegão de Gotham City.

Wesley Dodd (mais tarde seu nome seria alterado para Wesley Dodds), o Sandman original, foi criado em 1939, quatro meses após a estrondosa estreia do Batman. Seus criadores são Gardner Fox (roteiro) e Bert Christman (arte), que assinaram a aventura de estreia com o pseudônimo de Larry Dean. Sejamos sinceros: as HQs não eram lá essas coisas – Fox viria a se tornar um tremendo escritor, mas ainda estava em início de carreira.

À parte suas semelhanças com o Batman (o parceiro do herói gothamita era Robin, o Menino Prodígio, enquanto o do Sandman era Sandy, o Menino Dourado), este obscuro herói tinha um lado só seu, que ainda não era muito explorado: a ligação com o mundo dos sonhos. Seu codinome refletia ao Sandman do folclore anglo-saxão, uma entidade poderosa que leva sonhos (ou pesadelos) às pessoas. Assim, este herói combatia o crime com uma arma de gás sonífero, que adormecia os criminosos – e com um traje curioso: chapéu laranja, máscara antigás, capa púrpura, sapatos sociais e um terno verde completamente disfuncional para movimentos atléticos como enfrentar vilões.

Em 1941, o personagem passou por uma reformulação. A dupla Jack Kirby e Joe Simon, que criara o Capitão América pouco tempo antes, assumiu o personagem com desejo de mudanças. Para começar, trocaram aquele uniforme levemente sem sentido – você enfrentaria um ladrão de banco armado com terno, capa e sapatos sociais? O uniforme ficou bem mais simples: amarelo dourado, com luvas e capuz roxos (abaixo).

Kirby e Simon imprimiram um novo fôlego ao personagem, que se descolou do seu lado “quero ser o Batman”. As aventuras ficaram menos sombrias e policiais e viraram mais super-heroicas, com toda a inocência e excesso de cor que isso significava no início dos anos 40. Houve mais explosões, saltos, vilões diferentões… E o herói ganhou sobrevida, mas não por muito tempo. Foi publicado originalmente apenas até 1946 e seria um rodapé na história. Mas havia algo ali, uma semente, que ainda seria explorado.

Décadas depois, a DC lançaria uma nova versão do Sandman, bem mais ligada ao mundo dos sonhos, e é dela que falaremos amanhã. E nos anos 80 e 90, finalmente, a versão de Neil Gaiman, que, embora completamente diferente, não deixou de homenagear (abaixo) o personagem de Gardner Fox.

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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