Nós, do Hábito de Quadrinhos, ainda estamos na contagem regressiva da série da Netflix sobre Sonho, o sombrio personagem criado por Neil Gaiman na série “Sandman”. Por isso, tiramos a semana para falar, diariamente, sobre este quadrinho.

Ontem, apresentamos como ele surgiu – um vigilante à la Batman. E hoje vamos mostrar a primeira versão do personagem com superpoderes e sua forte ligação com os Sonhos – às vezes atribuída a Neil Gaiman, mas que na verdade surgiu com a dupla Jack Kirby e Joe Simon.

Kirby e Simon trabalharam com a versão original do Sandman, o vigilante aliado da polícia, nos anos 40. Décadas depois, em 1974, a dupla voltou ao título, mas recriando completamente o personagem.

O Sandman dos anos 70 era um super-herói em todos os sentidos da palavra naquela década. Muitos (e estranhos poderes), uniforme colorido, supervilões e aventuras bem inocentes. Além disso, foi o primeiro com este codinome a ter sua revista própria: “The Sandman – Master of Nightmares!” (“Sandman – Mestre dos Pesadelos!”).

Garrett Sanford, o novo Sandman, nunca aparece sem máscara. Usa um uniforme amarelo e vermelho, com direito a capa e tudo, e mora em uma dimensão paralela, onde usa o Monitor Onírico Universal para supervisionar sonhos e pesadelos dos seres humanos. Como aliados, ele tem duas criaturas (parecem demônios) que mantém aprisionadas (!): Bruto e Glob.

Este Sandman é um personagem bem original e que surfa na inocência. Não é explicado exatamente o que ele é nem como foi parar lá – é um anjo? Um feiticeiro? Um humano escolhido para a missão? Um sonho que acha que é humano?

Garrett Sanford tem a tarefa infinita de supervisionar todos os sonhos e pesadelos da humanidade, mas suas aventuras são sempre ligadas ao jovem órfão Jed, que tem de crescer em uma família adotiva que o maltrata.

As aventuras do novo Sandman são surreais, mas mantêm um pé no gênero dos super-heróis especialmente pelo rol de supervilões: General Elétrico, o caricato gênio com um computador no lugar do cérebro; os cruéis Homens-Sapo; e o Doutor Aranha, uma humanoide disforme que tem oito tentáculos mecânicos no lugar dos braços.

O lado inocente aparece, por exemplo, na aventura em que ele ajuda um casal de amigos a se defender dos vilanescos Homens-Foca – sendo que o casal em questão são o Papai Noel e a sra. Noel (abaixo).

Este Sandman onírico teve vida curta: apenas oito aventuras. Mas deixou um legado. Na década seguinte, em 1988, esta mitologia foi incorporada ao universo tradicional de super-heróis da DC Comics quando um dos seus heróis menos conhecidos, o Escaravelho de Prata, da também desconhecida Corporação Infinita, assumiu o lugar de Garrett Sanford como Sandman, o Mestre dos Pesadelos!

Hector Sanders Hall, o Escarevelho de Prata, teve uma agitada super-heroica vida antes de virar o Sandman. Seus pais foram super-heróis: Gavião Negro e Mulher-Gavião, membros da Sociedade da Justiça. Quando virou herói, Hector Hall fundou seu próprio grupo, o qual liderou – a já citada Corporação Infinita. Para ampliar sua mitologia de super-herói, casou-se com outra heroína: a poderosa Fúria, que estava grávida quando ele, tragicamente, morreu.

Sim, Hector Hall estava morto quando assumiu o cargo de Sandman (abaixo, sua primeira grande aparição com este novo codinome). E sua esposa Fúria, grávida, o seguiu voluntariamente à Dimensão Onírica.

As histórias deste Sandman (tanto Sanford quanto Hall) não são lá essas coisas. Mas é interessante saber como ocorreram, porque Neil Gaiman as leu atentamente. Mais do que isso: as homenageou em sua fabulosa série da qual começaremos a falar amanhã. A cena central da homenagem está logo abaixo, mas não leia os balões se ainda não teve o prazer de ler a HQ de Neil Gaiman.

Muito do que foi dito ontem e hoje está presente, e não só como citação, mas com importância, no “Sandman” de Gaiman: o Sandman original que combateu o crime nos anos 30 e 40; o Sandman que atua ao lado de Bruto e Glob na Dimensão Onírica, e o fato de o original (Sanford) ter sido substituído por um morto (Hall); o órfão Jed que sofre nas mãos da família adotivia; e até o fato de a esposa de Hall usar o codinome Fúria – um detalhe que passaria despercebido se Gaiman não houvesse estudado mitologia grega.

Amanhã trocaremos algumas palavras sobre, finalmente, a saga de Gaiman.

Falta muito para a série estrear?

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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