Chegamos ao sexto capítulo de Dossiê Mulher-Maravilha, um especial narrando a mitologia – e a história – da mais importante princesa de Themyscira.

Hoje, comentaremos as duas tentativas infrutíferas de levar a heroína para a televisão – e do grande sucesso que foi o seriado estrelado por Lynda Carter.

Amanhã, será a vez de abordarmos a mais completa reformulação da personagem: as histórias de George Pérez lançadas na segunda metade dos anos 80.

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“Vá em paz, minha filha, e lembre-se de que, no mundo dos meros mortais, você é uma Mulher-Maravilha!”

(Da rainha Hipólita à sua filha Diana, no episódio piloto da primeira temporada do seriado “Mulher-Maravilha”)

Linda Carter

Linda Carter é nome de personagem de histórias em quadrinhos. Literalmente.

Em setembro de 1961, a editora norte-americana Marvel, rival da DC, lançou o título “Linda Carter, Night Nurse” (Linda Carter, enfermeira noturna). A revista foi publicada até janeiro de 1963, quando foi cancelada no nono número. A personagem-título estrelava histórias românticas. Foi criada por Al Hartley (arte) e Stan Lee (roteiro) – o mesmo Stan Lee que, dois meses depois, inventaria o Quarteto Fantástico e, a partir de então, uma lista enorme de relevantes super-heróis (Thor, X-Men, Hulk, Vingadores etc).

Pouco menos de dez anos após o cancelamento dessa revista, a Marvel lança, em 1972, o título “Night Nurse” (Enfermeira Noturna), estrelado por três personagens: Georgia Jenkins, Christine Palmer e… uma loira Linda Carter. As três eram estudantes de enfermagem, mas, aparentemente, não se tratava da mesma da década anterior, que era morena. A revista, criada por Jean Thomas (roteiro) e Winslow Mortimer (arte), teve apenas quatro números, de novembro de 1972 a maio de 1973.

O ano de 1972 também foi importante para outra Linda Carter, mas uma de carne e osso: Linda Jean Córdova Carter. Representando o Estado do Arizona (onde nasceu, na cidade de Phoenix) e com o nome artístico Lynda Carter, venceu o concurso de beleza Miss Mundo Estados Unidos. Com isso, pôde disputar o título de Miss Mundo – que naquele ano estava com Lúcia Petterle, a primeira brasileira a ficar com a coroa.

O Miss Mundo 1972 foi disputado em Londres. Lynda Carter concorreu com outras 52 beldades e avançou ao seleto grupo das 15 semifinalistas, mas parou aí.

E sua carreira artística também estacionou. Lynda Carter ficou anos tentando emplacar como atriz, mas tendo dificuldades, assim como a Mulher-Maraviha, nos quadrinhos, também enfrentava um difícil começo de década. De 1970 a 1973, a personagem não conseguia aparecer em mais de dez capas de revistas por ano – não era mais um chamariz de vendas.

Na televisão: as três tentativas

Não só nos quadrinhos a vida da Mulher-Maravilha estava difícil no início dos anos 70. A tentativa de transportá-la para a televisão também enfrentava dificuldades.

Foi gravado, na década anterior, um curta de apenas quatro minutos em 1967: “Who’s Afraid of Diana Prince?” (Quem Tem Medo de Diana Prince?), estrelado por Ellie Wood Walker. O curta seguia o tom de humor pastelão do seriado “Batman” estrelado por Adam West. Não deu certo.

Em 1973, a Mulher-Maravilha virou, finalmente, desenho animado. Dublada por Shannon Farnon, ela participou da primeira temporada de “SuperFriends” (Superamigos), ao lado de Superman, Batman, Robin e Aquaman, além dos personagens Marvin, Wendy e Wonder Dog (Cão Maravilha), criados especialmente para a série.

Ainda em 1973, houve o fim da Era I Ching nos quadrinhos, e a MulherMaravilha voltou a ter o seu lado “maravilha” realçado, inclusive na sua identidade secreta. Diana Prince deixou de lado o Exército norte-americano e sua perseguição platônica a Steve Trevor e começou a trabalhar na onu.

Em 12 de março de 1974, a rede ABC investiu na segunda tentativa de levar a Mulher-Maravilha à televisão: exibiu “Wonder Woman”, um filme que serviria de base para um seriado caso fizesse sucesso. Estrelado pela loira Cathy Lee Crosby, o filme causou estranhamento nos fãs mais antigos da personagem, e não só pela cor do cabelo. Inspirada na Mulher-Maravilha da era I Ching (ver capítulo anterior), a Diana Prince deste seriado usava um uniforme diferente, ainda que também inspirado na bandeira norte-americana, e agia como uma espiã, e não uma super-heroína.

O filme (acima, um pequeno trecho) tinha algumas semelhanças com os quadrinhos, como a presença do interesse romântico Steve Trevor (vivido por Kaz Garas) e da rainha Hipólita (interpretada por Charlene Holt.). O vilão, Abner Smith, ficou com o mexicano Ricardo Montalban, que anos mais tarde seria o protagonista do seriado “A Ilha da Fantasia”.

A audiência evitou que a versão espiã (que já havia sido deixada para trás nos quadrinhos, no ano anterior) se popularizasse.

A derradeira tentativa aconteceu no ano seguinte. “The New Original Wonder Woman” (A Nova e Original Mulher-Maravilha) foi exibido também pela abc. Dessa vez, porém, tudo era diferente. As histórias remetiam mais à mitologia original, aquela criada por Marston e que misturava mitologia grega, femininos e Segunda Guerra Mundial. Além disso, tinha, é claro, o carisma e o talento de Lynda Carter.

Segunda Guerra Mundial

Ao som de tambores marciais, imagens em preto e branco mostram cenas reais da Segunda Guerra Mundial. Diz o narrador: “Neste escuro verão de 1942, o ataque do Terceiro Reich continua sob a liderança deste homem indecente e corrupto”, e aparece a imagem de Adolf Hitler. “Seu Exército bem treinado e obediente continua a arrasar o que sobrou da Europa (…) Este Eixo perigoso tenta dominar o mundo (…) A única esperança para a liberdade e a democracia é…”

E a imagem corta para uma alegre música tocando sobre as enormes e amarelas palavras “Wonder Woman”, que ocupam a tela cercadas por estrelas e pelas cores da bandeira norte-americana. Segue a abertura do seriado, com os personagens primeiro aparecendo desenhados, depois transformando-se nos atores de carne e osso que os representam.

Primeiro, surge a Mulher-Maravilha desenhada, seguida por Lynda Carter já vestida a caráter. Depois, Steve Trevor, o eterno interesse romântico da heroína nos quadrinhos, seguido do ator Lyle Waggoner, caracterizado como Trevor.

Este primeiro episódio, dirigido por Leonard Horn, foi ao ar pela primeira vez em 7 de novembro de 1975, pela emissora abc. Por ser um episódio piloto, de apresentação, é mais longo: são 74 minutos de filme (os demais episódios duram 50 minutos).

Além de os personagens estarem bem próximos de suas versões nos quadrinhos, a abertura emula a arte de uma hq e, nas mudanças de cenas, há recordatórios (aqueles quadrados que aparecem nos gibis, contextualizando a história: “Enquanto isso, ali perto…”), que situam onde e quando se passa a próxima ação. Há uma reverente homenagem aos quadrinhos, de onde vem a história original.

Não há uma tentativa de modernização. Ainda que exibido em 1975, o seriado se passa em 1942. Assim como nos quadrinhos originais, são os nazistas os vilões, e o clima é de guerra. A primeira cena com atores é exatamente a de um nazista colocando a mão sobre os Estados Unidos em um mapa. A primeira frase é em alemão: “Heil, Hitler”. Há um risco iminente de invasão no ar. A série busca refletir o clima de invasão e terror da Segunda Guerra Mundial, evidentemente diminuído pelo clima de fantasia que o universo da Mulher-Maravilha implica.

“Mulher-Maravilha”, a origem

O episódio piloto (“The New Original Wonder Woman”, no original, mas “Mulher-Maravilha” no Brasil) conta a origem da personagem de uma maneira bem próxima à descrita por Charles Moulton. O major Steven Leonard Trevor confronta um espião nazista em um duelo aéreo sobre o Triângulo das Bermudas. Os dois pilotos saltam de paraquedas e a cena corta para “uma ilha desconhecida dentro do Triângulo do Diabo”. E só então, com 13 minutos de filme, Lynda Carter aparece pela primeira vez, brincando com uma amiga amazona, Rena.

A princesa Diana (ainda não havia a Mulher-Maravilha) encontra Trevor na praia e diz: “É um homem, ele está ferido”. Diana e Rena decidem ajudá-lo. Surge então a rainha Hipólita, loira como sua versão da Era de Prata, e interpretada por Cloris Leachman.

Pela fala de Hipólita, é possível compreender que elas, amazonas, foram escravas em Roma e na Grécia há mais de mil anos, antes de se mudarem para a Ilha Paraíso – portanto, são imortais e passaram pela experiência da escravidão.

“Dei a esta ilha o nome de Paraíso por um motivo excelente: não há homens nela”, diz uma amarga rainha Hipólita à sua filha Diana. “Deste modo, ela está livre de suas guerras, ganância, hostilidade.”

O capítulo continua, também fiel ao roteiro original: a rainha determina que uma amazona deverá escoltar o homem (Trevor) até os Estados Unidos e depois retornar. Para evitar indisposição, já que todas desejariam tal missão, a rainha almeja realizar um torneio: a mais atlética das amazonas seria a escolhida.

Diana, entretanto, é proibida de participar.

A competição é realizada com as amazonas usando máscaras, “como na tradição dos seus jogos”. As provas são variadas: arco e flecha, corridas, arremesso de pedra, lançamento de dardo, salto em distância, salto em altura, levantamento de peso e braço de ferro.

Duas amazonas empatam em primeiro lugar. O desempate ocorre na prova de “balas e braceletes”, em que uma competidora dispara um revólver na direção da outra, que deve ser ágil e forte o suficiente para rebater a bala com seus braceletes.

A vencedora, após retirar a máscara, revela-se ser a princesa Diana. Ela recebe um cinto dourado, que faz com que ela retenha a força e a inteligência amazona, e um indestrutível laço dourado, que compele as pessoas amarradas a ele a sempre dizerem a verdade.

Só com 31 minutos de filme é que a princesa Diana aparece vestida como Mulher-Maravilha pela primeira vez. “Essas cores são para mostrar sua lealdade à liberdade e à democracia”, explica a rainha, em menção indireta à bandeira norte-americana. E assim Diana, com o moribundo Steve Trevor, parte rumo aos Estados Unidos.

Ao chegar na terra de Trevor, Diana deixa o militar em um hospital e sai para conhecer o mundo. Impede um assalto, derrotando três criminosos armados, com direito a levantar um carro com uma mão. Depois, é encontrada por um empresário artístico, que a convence e entrar no show business com o número “balas e braceletes” (rebater balas disparas das à queima-roupa).

Apenas o nome do empresário muda: nos quadrinhos, era Al Kale; no seriado, Ashley Norman. Mas os atos são os mesmos: ele tenta ludibriar a princesa Diana, mas não consegue. E ela aprende um pouco mais sobre o mundo dos homens: que há poucos nos quais pode confiar. Steve Trevor é um deles.

Ao final do episódio, a princesa Diana, agora como Diana Prince, é apresentada como nova secretária (e não enfermeira, como nos quadrinhos) do quartel em que Trevor trabalha. É o início da tensão amorosa que vai permear as aventuras protagonizadas pelos dois nos 13 episódios vindouros da primeira temporada de “Mulher-Maravilha”.

Uma irmã: Drusilla, a Garota-Maravilha

O episódio piloto, de 74 minutos de duração (os demais tiveram 50 minutos), foi exibido em novembro de 1975. Os dois episódios seguintes foram ao ar apenas em abril de 1976 (“A Baronesa”, no dia 21, e “Fausta: A Mulher Maravilha Nazista” no dia 28). Após nova pausa, o seriado foi retomado em outubro do mesmo ano, e exibido a partir de então a uma média de dois capítulos por mês, até o 14º e derradeiro capítulo da primeira temporada (“A Mulher-Maravilha em Hollywood”, de 16 de fevereiro de 1977).

Espionagem e nazismo foram os principais temas desta primeira temporada. Em um dos episódios (“A Última Nota de Dois Dólares”), os nazistas bolam um plano para abalar financeiramente os Estados Unidos: “invadir” a nação com dinheiro falso e substituir os chefes das áreas financeiras por sósias inimigos.

Em outro episódio, “Fórmula 407”, os nazistas tentam roubar uma fórmula desenvolvida por um cientista argentino e que pode ser decisiva para o fim da guerra: uma substância capaz de dar à borracha a consistência do aço. Este capítulo se passa na Argentina – curiosamente, o major Trevor é mostrado sobrevoando o Cristo Redentor quando está a caminho de Buenos Aires.

Em apenas um momento a forte ficção científica da Era de Prata dá as caras: “Julgamento Espacial”, um dos dois episódios duplos da temporada. Um alienígena chamado Andros vem à Terra para julgar se ela deve ser preservada ou destruída. O extraterrestre é aprisionado pelos nazistas, o que leva a Mulher-Maravilha a entrar em ação.

Mas a maior inovação em relação aos quadrinhos veio no outro episódio duplo: “A Mística Feminina”. Nela, descobre-se que Diana tem uma irmã: Drusilla, que a partir deste episódio é conhecida como a Garota-Maravilha. Drusilla é interpretada por Debra Winger, que mais tarde faria a voz do personagem-título de “E.T. – O Extraterrestre” e receberia três indicações ao Oscar.

A Garota-Maravilha do seriado foi original ao estender o conceito de família ao redor da princesa Diana: pela primeira vez, ela tinha uma parente além de sua mãe, a rainha Hipólita. Esse conceito viria a ser bem explorado nos quadrinhos, apesar de algumas confusões editoriais.

A rigor, a primeira Wonder Girl (no Brasil, o nome foi traduzido Moça-Maravilha nos quadrinhos e Garota-Maravilha no seriado de TV) foi a própria princesa Diana, mas pré-adolescente, antes mesmo de ela se tornar a Mulher-Maravilha. Sua primeira aparição foi em abril de 1959 (“Wonder Woman” nº 105).

Uma nova Wonder Girl surgiu fora da revista da Mulher-Maravilha. Em 1964, a DC Comics lançou um grupo formado apenas por parceiros adolescentes de super-heróis consagrados. A equipe se chamava Turma Titã e era formada por Robin (do Batman), Aqualad (do Aquaman) e Kid Flash (do Flash). Wonder Girl foi criada na segunda história da equipe, publicada em julho de 1965 (“The Brave and the Bold” nº 60). Embora tivesse um uniforme inspirado no da Mulher-Maravilha, não era necessariamente ligada a ela – sua origem não era explicada.

Apenas na 22ª edição da revista “Teen Titans” (julho-agosto de 1969), foi revelado que a Moça-Maravilha era uma órfã humana que não tinha ligação sanguínea com as amazonas, mas que teve a vida salva, ainda bebê, pela Mulher-Maravilha, que a levou para a Ilha Paraíso, onde foi tratada pelas médicas amazonas e acabou recebendo superpoderes. A descoberta de que não era uma amazona a levou a mudar o uniforme, deixando-a mais distante da identidade da Mulher-Maravilha (ainda que o nome permanecesse Moça-Maravilha), e a criar uma identidade civil: Donna Troy.

Ainda que o nome Wonder Girl não fosse original, a criação de uma irmã para Diana foi inovadora e seria posteriormente adotada pela cronologia da personagem nos quadrinhos.

Os desenhos animados

A Mulher-Maravilha ainda apareceu de uma outra maneira na tv, nos anos 70: como desenho animado. De 1973 a 1986, foram criadas 10 temporadas de uma animação estrelada pelos principais heróis da DC Comics. A rigor, era a Liga da Justiça, mas o nome foi mudado para “Super Friends” (Superamigos), para aproximar o desenho do público infantil.

A série mudou de nome com o passar dos anos, e apenas quatro heróis foram protagonistas de todas as suas formações: Superman, Batman, Robin e a Mulher-Maravilha.

A Mulher-Maravilha foi interpr tada por três atrizes em “Superamigos”: Shannon Farnon, de 1973 a 1983; Constance Cawlfield, em 1984; e B.J. Ward, em 1985 e 1986. No Brasil, a dubladora foi Ilka Pinheiro.

As séries de “Super Friends” mudaram de nome no decorrer dos anos. Os títulos  originais de “Superamigos” nos Estados Unidos foram:

  • “Super Friends”: teve uma única temporada de 16 episódios, exibidos de 1973 a 1974;
  • “The All-New Super Friends Hour”: também uma temporada – 15 capítulos, de 1977 a 1978;
  • “All-New Super Friends”/ “Challenge of the Super Friends”: duas temporadas de 16 episódios cada, todos exibidos em 1978. Esta série tinha um grupo fixo de inimigos, batizado de Legião do Mal (Legion of Doom), composto por 13 grandes vilões da DC, inclusive dois da mitologia da Mulher-Maravilha: Mulher-Leopardo e Giganta. O programa era dividido em dois segmentos: o primeiro exibia histórias de “All-New Super Friends”, e o segundo, de “Challenge of the Super Friends” (O Confronto com a Legião do Mal);
  • “The World’s Greatest Super Friends”: oito desenhos, transmitidos de 1979 a 1980 (temporada única);
  • “Super Friends”: três curtas temporadas, exibidas de 1980 a 1983, totalizando 22 episódios;
  • “Super Friends: The Legendary Super Powers Show”: oito desenhos, transmitidos de 1984 a 1985 (temporada única). É a primeira série em que a Mulher-Maravilha não é interpretada por Shannon Farnon, que foi substituída por Constance Cawlfield;
  • “The Super Powers Team: Galactic Guardians”: temporada única uma vez mais; oito episódios são exibidos de 1985 a 1986. B.J. Ward assume a voz da Mulher-Maravilha.

Estes 109 episódios, distribuídos em dez temporadas, ajudaram a aumentar a mitologia e o alcance da Mulher-Maravilha – mas não tanto quanto o seriado estrelado por Lynda Carter. A princesa amazona voltaria a aparecer como protagonista de desenho animado em 2001, na série “Liga da Justiça”.

Enquanto isso, nas HQs…

Após o fracasso da Era I Ching (como vimos ontem), a revista “Wonder Woman” do início dos anos 70 não seguia uma linha editorial bem definida. Não era a super-heroína que atuava na Segunda Guerra nos anos 40, nem a personagem que se envolveu com ficção científica ou espionagem nos decênios seguintes. Era uma personagem em busca de seu espaço no universo de super-heróis da DC Comics.

Uma nova heroína, que a princípio parecia uma inimiga, surgiu em “Wonder Woman” nº 204 (janeiro-fevereiro de 1973), a mesma edição que trouxe a morte de I Ching, seu elo com a fase sem poderes: Núbia.

Assim como a princesa Diana, a amazona negra Núbia foi criada do barro. Entretanto, foi sequestrada pelo deus Marte e criada por ele, que a educou de modo que enxergasse as amazonas como inimigas. Em um confronto, Núbia derrota Diana. A personagem, entretanto, aparece por apenas três edições, e depois desaperece.

No mesmo nº 204 em que Núbia aparece, há uma nova e mais significativa mudança: Diana Prince não trabalha mais no Exército norte-americano, mas nas Nações Unidas – em um primeiro momento, como tradutora e guia. Essa nova fase contaria ainda com a ressurreição de Steve Trevor, que trabalharia ao lado de Diana na ONU sob uma nova identidade, Steve Howard.

Superman e Mulher-Maravilha… namorados? (parte 1)

A irresistível ideia de criar um romance entre o maior super-herói e a maior super-heroína da DC Comics é praticamente irresistível e volta de tempos em tempos.

Em 1978, a revista “DC Comics Presents” trouxe, na capa, um beijo apaixonado entre Superman e Mulher-Maravilha, diante dos ciumentos pares de olhos de Steve Trevor e Lois Lane.

Na inocente história, criada por Gerry Conway (roteiro) e Kurt Schaffenberger (arte), o deus greco-romano Eros (também conhecido como Cupido) declara seu amor à Mulher-Maravilha. Rejeitado, ele se vinga, fazendo ela se apaixonar pelo Superman – e vice-versa.

O poderoso casal chega a se beijar, mas resiste bravamente a ir adiante. Ambos, entretanto, ficam claramente alterados. A Mulher-Maravilha chega a arremessar Lois Lane, grande amor de Superman, diante de um carro – o assassinato é impedido pelo herói kryptoniano.

Os heróis vão então pedir ajuda à Afrodite, deusa do amor e mãe do travesso Eros/Cupido. Ela os impõe um desafio, que inclui um confronto ao semideus Minotauro, que termina, obviamente, com os dois heróis livres do feitiço.

A ideia de colocar dois dos maiores protagonistas da editora em um romance daria um trabalho maior do que se pode imaginar ao leitor comum. Mexeria com suas mitologias de décadas: Steve Trevor, Lois Lane, a relação de ambos na Liga da Justiça.

Seria trabalhoso. Mas não seria descartado… Dali a 12 anos, o assunto voltaria (veja o post de amanhã).

A segunda Mulher-Maravilha!

Não era uma boa fase para Steve Trevor. Nem para as controversas decisões editorias da DC Comics, na opinião dos leitores. Foram mudanças que poderiam ter sido impactantes, mas que acabaram se atropelando: Trevor é assassinado pela segunda vez; Diana vira astronauta da Nasa (!!); Diana passa a namorar o astronauta Mike Bailey; descobre-se que Bailey é o vilão Ás da Quadra de Ases; abalada, a MulherMaravilha tem apagadas suas memórias em relação a Trevor; um Steve Trevor de outra dimensão cai por acidente na Ilha Paraíso, e a deusa Afrodite manipula memórias a ponto de que se passe a acreditar que este Trevor é o Steve Trevor daquela mesma dimensão; é criada uma nova identidade para Diana Prince, que agora é capitã da Força Aérea dos Estados Unidos.

Ainda nessa fase, problemas em Themyscira: uma amazona ruiva chamada Orana pede o direito de desafiar a princesa Diana pelo título de Mulher-Maravilha. A rainha Hipólita realiza então um novo torneio, que é vencido por… Orana. Criada por Jack C. Harris (texto) e Jose Delbo (desenhos), a estreia da ruiva como Mulher-Maravilha se deu na edição seguinte.

Orana, entretanto, não tinha o comportamento que era esperado de uma super-heroína: arrogante, impetuosa, violenta e descuidada, morreu em sua primeira missão, com o título de Mulher-Maravilha voltando para a princesa Diana.

Muitas e confusas mudanças. Felizmente, para os leitores, a situação do seriado televisivo era muito melhor.

Depois da Segunda Guerra

Após o sucesso da primeira temporada, a segunda era uma consequência natural, que veio ainda em 1977, mas com mudanças. Para começar, o seriado mudou da emissora abc para a cbs. Além disso, o nome foi alterado para “The New Adventures of Wonder Woman” (As Novas Aventuras da Mulher-Maravilha). E a mais importante foi o enredo: as histórias não se passam mais durante a Segunda Guerra Mundial, mas nos anos 70. São 22 episódios, exibidos de 16 de setembro de 1977 a 21 de abril de 1978.

No episódio piloto (de 90 minutos), “A Volta da Mulher-Maravilha”, é contado que, após 35 anos na Ilha Paraíso, a princesa Diana volta para o “mundo dos homens”. Ela passa a atuar ao lado de Steve Trevor, filho de seu amigo e colega de aventuras na Segunda Guerra Mundial – e vivido pelo mesmo ator, Lyle Wagonner.

Há ainda a ameaça do nazismo, mas de outra maneira. No segundo episódio (“Anexação 77”), por exemplo, há uma tentativa de clonagem de Adolf Hitler. Mas o clima de conspiração e guerra cede terreno à ficção científica, em alguns episódios.

Assim, há um cientista que faz experiências para mover objetos com a força do pensamento (“O Homem que Poderia Mover o Mundo”); um outro cientista descobre como fazer vulcões entrarem em erupção a seu comando (“O Homem que Fez Vulcões”); alienígenas que roubam cérebros (“Ladrões de Cérebros”, o único episódio em duas partes desta temporada – Andros, o alienígena bonzinho deste episódio, é filho do Andros que apareceu na primeira temporada); e há até uma outra mulher super-poderosa, vinda do planeta Ilândia (“A Moça de Ilândia”).

Em outros capítulos, o clima de espionagem prevalece: um terrorista sequestra Steve em “Golpe Mortal”; ela investiga as autoridades de uma pequena cidade interiorana em “Míssil Assassino”; e a Mulher-Maravilha age como agente infiltrada em “A Rainha e o Ladrão”, “Sim, Aceito”, “A Dama dos Dedos Leves” e “Voo para o Esquecimento”.

A terceira e maior temporada, com 24 episódios, foi exibida de 22 de setembro de 1978 a 11 de setembro de 1979, sem tantas alterações em relação à temporada anterior. A principal foi a diminuição da participação de Trevor, substituído por coadjuvantes mais jovens, como o cantor do episódio piloto (“Meu Ídolo Adolescente Está Desaparecido”); um skatista (“A Rainha do Skate”); fãs de ficção científica (“Aventura Espacial”); e um adolescente que a ajuda em “O Garoto que Sabia o Segredo”, um dos dois episódios duplos da temporada – o outro foi “O Fantasma da Montanha-Russa”, que encerrou a série.

Não houve uma quarta temporada. Foram 59 episódios, de novembro de 1975 a setembro de 1979, o suficiente para estabelecer uma nova imagem da personagem junto ao público e aos próprios editores e quadrinistas por trás da revista. Da má fase que a personagem atravessava quando o seriado começou – figurou na capa de apenas oito revistas em 1973 e 12 em 1974 –, voltou a ser uma personagem de grande porte ao fim dele: 35 capas em 1977 e 1978 (quebrando a marca de 30 capas obtida em 1947 e igualada em 1976) e, finalmente, 39 capas em 1979.

A alta em sua popularidade foi uma das consequências do seriado nos quadrinhos, mas não a única.

As consequências do seriado

Uma influência do seriado de TV sobre os quadrinhos foi o conceito de uma irmã para a Mulher-Maravilha. Antes, é preciso explicar o que são os retcon (continuidade retroativa): quando a editora publica uma história que reescreve fatos determinados por histórias anteriores. Por exemplo, quando um personagem deixa de ser órfão e é apresentado como tendo irmãos. É exatamente este o caso: Donna Troy, a Moça-Maravilha, não é mais uma órfã humana, mas a irmã gêmea da princesa Diana – amazona, portanto.

A presença de Donna Troy aumenta tanto nas histórias que, num determinado momento, no século 21, ela assume o uniforme e o título de Mulher-Maravilha (ver capítulo 8).

Outra influência está no físico da personagem. Ex-miss, Lynda Carter trouxe um porte especial para a heroína: alta e de cabelos compridos e soltos – características que foram incorporadas à HQ, influenciada pelo sucesso da série. “Tenho 5 pés e 9 polegadas (1,75 metros, aproximadamente) de altura, mas a maioria das pessoas pensa que tenho 6 pés (1,83 metros)”, disse Carter ao livro “DC Comics – Sixty Years of the World’s Favorite Comic Book Heroes”. “É porque tenho pernas muito longas.” A editora adaptou as histórias exatamente à imagem projetada por Lynda Carter: hoje, segundo os dados oficias da DC, a Mulher-Maravilha tem 6 pés de altura (1,83 metros) e pesa 165 libras (74,8 quilos).

Em 1982, a personagem teve uma mudança no uniforme que não foi consequência direta do seriado. A águia que usava sobre o peito foi transformada em um símbolo que conjugava dois Ws (as iniciais de Wonder Woman). O novo uniforme apareceu em “Wonder Woman” nº 288 (fevereiro de 1982). No ano anterior, a presidente da DC Comics, Jenette Kahn, quis que os 40 anos de criação de sua principal personagem feminina fossem celebrados com a criação da Wonder Woman Foundation (Fundação Mulher-Maravilha).

A Wonder Woman Foundation foi uma entidade filantrópica criada pelas companhias Warner Communications, Inc. e DC Comics em setembro de 1981. O objetivo da fundação era “dedicar-se ao avanço dos princípios de igualdade para a mulher na sociedade norte-americana”.

Na história de “Wonder Woman” nº 288, um grupo de mulheres ativistas encontrou a Mulher-Maravilha e pediu que ela usasse um novo uniforme, apresentado por elas, em que a águia era substituída pelos Ws, para divulgar a campanha delas. “Se você aceitar, a nossa nova Fundação Mulher-Maravilha será capaz de conseguir apoio para promover a igualdade para as mulheres em toda parte”, disse a ativista. Ficção e realidade se misturaram, e a heroína, é claro, aceitou a sugestão. A Wonder Woman Foundation existiu até 1986.

Essas mudanças físicas foram acompanhadas por profundas mudanças editoriais – ainda mais que na era I Ching. Afinal, não era apenas a Mulher-Maravilha que passaria por mudanças, mas todos os personagens da editora (sem exceção). Eram meados dos anos 80 quando a DC Comics resolver encerrar sua mitologia e começar a contar suas histórias a partir do zero. Assim, houve um “encerramento”, uma espécie de zerada no cronômetro.

E a Mulher-Maravilha renasceria do zero: mais ligada à mitologia e ao conceito de guerra, ainda que não a Segunda Guerra Mundial, já que as histórias se passavam nos anos 80. Entretanto, mais moderna, pacífica e com mudanças tanto nos poderes (ela agora podia voar) quanto na personalidade (avessa à violência). Começava uma nova fase, capitaneada pelo escritor e desenhista George Pérez e, pela primeira vez, a personagem receberia um tratamento tão profundo quanto o dado por seu criador, William Moulton Marston.

A Mulher-Maravilha dos anos 80 não teria mais a identidade secreta de Diana Prince e seria mais poderosa, inteligente, emotiva e profunda.

Ressurgiria como uma nova super-heroína.

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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