Há dez dias, começamos a publicar por aqui, em capítulos, o Dossiê Mulher-Maravilha – uma personagem que nos proporcionou tantas histórias bacanas nessas oito décadas de existência merece esta homenagem.

Hoje, abordaremos a revitalização da personagem nos anos 80, capitaneada pelo talentoso George Pérez.

Amanhã, veremos que, infelizmente, artistas como George Pérez são raros no mundo dos quadrinhos.

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“Há diferença entre destruição e erradicação total, criança. Cabe a você ensiná-la aos homens para que eles salvem a si mesmos! Veremos se você está à altura da missão!”

(De Ares, deus da Guerra, para a nova e reformulada Mulher-Maravilha)

A grande reestruturação

Os saudosistas, que são maioria em qualquer meio, costumam dizer que no passado, sim, que era bom. Que não se fazem mais filmes, livros, pinturas como antigamente. O mesmo vale para as histórias em quadrinhos, claro. Mas, para a editora DC Comics, nos anos 80, isso era verdade… E algo precisava ser feito.

Os principais personagens da editora (Superman, Batman e Mulher-Maravilha) tinham quase cinco décadas de histórias nas costas. É uma mitologia gigantesca: tempo demais escondendo a identidade secreta da pessoa amada; sem ser derrotado pelos inimigos; sem envelhecer; sem um aprofundamento das histórias.

O mesmo valia para os demais personagens. E, o que ainda gerava alguma confusão, a diferença entre a “Terra-1” e a “Terra-2”. Relembrando: a Terra-2 é a dimensão das histórias da Era de Ouro. É lá que estão a Mulher-Maravilha que lutou na Segunda Guerra Mundial, a Sociedade da Justiça, o Flash/Joel Ciclone e o Hawkman/Falcão da Noite. A mãe dessa Mulher-Maravilha é a rainha Hipólita de cabelos negros. Nessa Terra, o Superman tem o cabelo grisalho, se chama Kal-L e sua prima é Kara Zor-L, a Poderosa. O Batman morreu e foi substituído pelo Robin (Dick Grayson) e pela Caçadora, sua filha com a Mulher-Gato.

Há um detalhe interessante sobre essa Mulher-Maravilha: ela teve uma filha chamada Hippolyta “Lyta” Trevor, filha de Diana com Steve Trevor, criada por Roy Thomas, Danette Thomas e Ross Andru na história “My Sister, My Self”, publicada em “Wonder Woman” nº 300 (setembro de 1983). Herdeira dos poderes de sua mãe, a loira Lyta Trevor assume o codinome Fúria (Fury, no original) e vira uma super-heroína, que combate o mal no supergrupo Corporação Infinita.

A Terra-1 é da dimensão da Era de Prata (ver o quarto post desta série): a Mulher-Maravilha que surgiu em 1959, portanto depois da Segunda Guerra Mundial; a Liga da Justiça, da qual a Mulher-Maravilha foi uma das fundadoras, e não a Sociedade da Justiça, onde ela entrou depois e era secretária; o Flash/Barry Allen e o Hawkman/Gavião Negro, em vez de Flash/Joel Ciclone e o Hawkman/Falcão da Noite. A mãe dessa Mulher-Maravilha é a rainha Hipólita de cabelos loiros. Nessa Terra, o Superman não tem o cabelo grisalho, se chama Kal-El e sua prima é Kara Zor-El, a Supergirl. O Batman não se casou com a Mulher-Gato nem morreu, e Dick Grayson não é mais o Robin – foi substituído por Jason Todd e assumiu a identidade de Asa Noturna.

Qual das duas “Terras”, das duas histórias é, afinal, a correta? Ambas, pois elas pertencem a “universos” diferentes, que integram um “multiverso” maior – o da DC Comics. Mas vá explicar isso ao leitor mais novo, ou ao leitor que não acompanha tão de perto as revistas da editora.

E essas são apenas as Terra-1 e Terra-2: na mitologia da DC, elas são literalmente infinitas. Em uma, a Terra-3, Lex Luthor é o herói, e Superman, Batman e a Mulher-Maravilha são os vilões (ainda que com outros nomes: Ultraman, Coruja e Supermulher). E por aí vai.

Era preciso dar um basta. Era necessária uma reformulação. E após anos de planejamento, ela veio na forma de “Crise nas Infinitas Terras”, uma das melhores movimentações editorias dos quadrinhos norte-americanos de todos os tempos. E algo assim não sairia de uma hora para outra. “Crise” foi anunciada por seus criadores, o roteirista Marv Wolfman e o desenhista e corroteirista George Pérez, em uma convenção de quadrinhos de 1981, mas o primeiro número só chegou às bancas quatro anos depois, em abril de 1985. Havia uma reformulação e tanto pela frente.

“Crise”: uma história, 26 heróis a menos

Um breve resumo do que foi feito: “Crise nas Infinitas Terras” foi publicada em 12 edições mensais, de abril de 1985 a março de 1986. É o que a indústria dos quadrinhos chama de “crossover”: um grande evento que envolve mais de uma revista diferente, colocando personagens que têm suas próprias histórias unidos em uma missão comum (derrotar um vilão, desvendar um mistério etc.). Nesse caso, repercutiu em todos os seus títulos e envolveu literalmente todos os personagens da editora. Todos mesmo: em um pôster divulgado anos depois, em uma republicação da saga, são identificados nada menos do que 562 (!!) personagens, inclusive Moça-Maravilha, a Rainha Hipólita e duas Mulheres-Maravilha (a da Terra-1 e a da Terra-2).

A história gira em torno de dois personagens poderosíssimos: o Antimonitor e o Monitor. Ambos são tão velhos quanto o próprio universo, mas um é a antítese do outro. O objetivo do Antimonitor, nascido em uma dimensão de “antimatéria”, é destruir o multiverso; o Monitor quer impedi-lo.

O meio usado pelo Antimonitor é uma misteriosa onda de “antimatéria”, que ataca uma dimensão por vez, mas todas as suas épocas ao mesmo tempo. Assim, por exemplo, se a Terra-3 é atacada, a onda de anti-matéria atinge, ao mesmo tempo, a Pré-História, a Idade Média, o século 20, o século 30, o futuro distante etc. Mais: a “antimatéria” é invencível. Tudo o que ela toca, destrói.

Como combater tal ameaça? O Monitor, com poder de acessar todas as dimensões (Terra-1, Terra-2 etc.) e todas as épocas ao mesmo tempo, escolhe um punhado de superseres (heróis ou vilões, não importa: todos querem sobreviver) e os coloca em missões específicas para conter o avanço da onda de antimatéria.

Mas só isso não basta: é preciso derrotar o vilão. Nessas missões, nada menos do que 26 heróis morrem. Alguns menos famosos, como Quartzo e Columba, mas outros mais famosos, como a Supergirl (nem o filme dela, que estava por ser lançado nos cinemas, evitou a sua morte); o Flash da Terra-1 (Barry Allen); e, mais adiante, como veremos, a…. Mulher-Maravilha.

A morte da Mulher-Maravilha

Após algumas derrotas de ambos os lados, o multiverso é inteiro refeito. A partir do penúltimo capítulo da série, a História é reescrita e todos os universos que existiam até então são “fundidos” em um só. Agora, só há um Batman, que está vivo e não se casou com a Mulher-Gato; um Aquaman; um Caçador de Marte; e por aí vai.

Entretanto, restam alguns “paradoxos”. Por exemplo: nesta mesma Terra estão vivas duas Mulheres-Maravilha: a da Terra-1, jovem e cheia de vida, membro da Liga da Justiça; e a da Terra-2, uma senhora de idade avançada, ex-membro da Sociedade da Justiça, já aposentada de seus tempos de super-heroína, casada com Steve Trevor e mãe de Lyta Trevor, a heroína Fúria. Ambas vivem. Outro paradoxo é o Superman: há nada menos do que três deles vivos (o da Terra-1, o da Terra-2 e ainda um Superboy da chamada Terra Primordial).

Esses “paradoxos temporais” teriam de ser resolvidos, mas só depois que o perigo acabasse. O Antimonitor está vivo, ainda que em uma dimensão paralela. Ele volta a atacar a única Terra que sobrou, e sofre um contragolpe efetuado por um batalhão de super-heróis. A Mulher-Maravilha da Terra-1 é um dos mais fortes integrantes desse grupo – aposentada, a Mulher-Maravilha da Terra-2 fica na Ilha Paraíso, ainda tentando entender seu papel naquele mundo.

O ataque planejado dos super-heróis dá certo, e o Antimonitor é derrotado. Entretanto, em seu último ataque, ele assassina a Mulher-Maravilha da Terra-1 (logo acima). Um final violento e abrupto para uma das mais queridas heroínas da DC Comics.

Contudo, poucas páginas depois, uma vez sacramentada a derrota do vilão, uma personagem chamada Precursora, criada especialmente para a saga e um dos fios condutores da história, aparece para “explicar” algumas passagens obscuras de “Crise nas Infinitas Terras”. E a primeira é justamente a morte da Mulher-Maravilha. Assim diz a Precursora:

“Finalmente terminou. Embora muito do que aconteceu desafie qualquer explicação, conseguimos averiguar algumas verdades. Fato um: a aparente morte da Mulher-Maravilha. Quando a rajada fatal do enfraquecido Antimonitor atingiu a princesa amazona, ela não morreu. De algum modo, Diana foi enviada de volta no tempo… regredindo no processo. De mulher… para menina… para bebê. Para seu estado original de criação. A Mulher-Maravilha não nasceu de carne e osso, mas foi formada de argila e agraciada com vida pelos próprios deuses. O tempo continuou retrocedendo. Sua argila espalhou-se novamente pela Ilha Paraíso e as amazonas foram devolvidas para as ilhas gregas, de onde haviam fugido.”

Ou seja: a rigor, em apenas 12 quadrinhos, menos de uma página, é dito que as amazonas, devido ao raio do Antimonitor, simplesmente nunca existiram naquela nova Terra, naquele universo “definitivo” da DC Comics. Mas faltava dar um fim à outra Mulher-Maravilha, a da Terra-2, a primeira de todas. E mais uma vez, Precursora, uma personagem que parecia uma nova personificação para o conceito Deus Ex Machina das antigas peças teatrais gregas, explica:

“Fato dois: Monte Olimpo. Zeus contemplou das alturas e viu que uma grave injustiça fora cometida. A Mulher-Maravilha da Terra-2, bela como Afrodite, sábia como Atena, mais rápida do que Mercúrio e mais forte do que Hércules, não pertencia mais a mundo algum. O rei dos deuses sabia que seus grandes poderes tinham origem divina. Ela não podia ser abandonada. A Carruagem de Apolo foi enviada para levar a princesa Diana e seu marido terrestre ao Olimpo. E lá eles viveriam… felizes para sempre.”

“Crise nas Infinitas Terras” foi mais do que uma minissérie: foi um evento criado para acabar com a bagunça do universo DC, para “limpar tudo”, fazer uma “faxina” e deixar tudo arrumado para o que viria adiante. E nesta única página, suas duas Mulheres-Maravilha tiveram fins distintos: a da Terra-1, cujas histórias foram publicadas de 1959 até aquele 1986, existira apenas naquele universo anterior, não existia mais naquela nova Terra. E a Mulher-Maravilha da Terra-2, ao lado de Steve Trevor, seu namorado, foi deificada: era uma deusa daquele novo universo.

A(s) história(s) da(s) Mulhe(ers)-Maraviha(s) como conhecíamos chegou(ram) ao fim. Agora, uma nova história poderia ser contada. A Mulher-Maravilha morreu, longa vida à Mulher-Maravilha!

O recomeço do universo

O “Universo DC” morreu e renasceu. Todas as suas histórias seriam contadas a partir do zero. Literalmente: todas as suas revistas capitaneadas por super-heróis foram canceladas e foram relançadas a partir do primeiro número.

Mais do que isso: cada primeira edição traria a origem, ou o primeiro capítulo da nova origem, do seu personagem-título. Assim, os novos leitores poderiam acompanhar as histórias desde o princípio. Os velhos leitores tinham uma mitologia mais “limpa”, concentrada. Mas era importante não deixar a oportunidade ser estragada por más histórias. Por isso, a DC investiu em roteiristas e desenhistas de primeiro nível para retomar as histórias de seus principais personagens.

As histórias da DC passaram a ser divididas em a.C. e d.C.: antes de Crise e depois de Crise. As a.C. passaram a ser desconsideradas: não faziam mais parte da cronologia oficial da editora. Uma aposta arriscada, mas muito bem executada pelos editores e artistas que assumiram seus títulos.

Superman ficou a cargo de John Byrne, que na saga “O Homem de Aço”, redefiniu sua mitologia: Lex Luthor não era mais um supervilão científico, mas um empresário brilhante; não houve um Superboy, Superman passou a atuar já adulto; todos os demais personagens kryptonianos deixaram de existir (Supergirl; Krypto, o Supercão; Rajado, o Supergato; Beppo, o Supermacaco etc.).

O homem-morcego de Gotham City foi reescrito por Frank Miller na saga “Batman: Ano Um”. Tornou-se muito mais humano do que super-humano: mais sombrio, falível, anti-herói.

E a Mulher-Maravilha? Essa precisou de mais tempo que seus colegas para iniciar a nova fase. O último número de sua revista, “Wonder Woman” nº 329 (em que Steve Trevor e a Mulher-Maravilha da Terra-2 são casados em pleno Monte Olimpo, lar dos deuses gregos, não por um padre, mas por Zeus), foi publicado em fevereiro de 1986. O primeiro da nova série, também batizada “Wonder Woman”, sairia exatamente um ano depois, em fevereiro de 1987. Uma mitologia enorme estava sendo reescrita: era preciso cuidado.

“Havia um problema: a empresa, embora quisesse uma nova Princesa Amazona, não sabia definir o que entendia exatamente por ‘nova’”, conta o roteirista e desenhista George Pérez. “Vários criadores apareceram com conceitos que retinham pouco mais que o nome Mulher-Maravilha. Algumas ideias eram realmente boas e mereciam elaboração e desenvolvimento, mas resultavam numa personagem que simplesmente não era a mesma personagem. A DC então percebeu que uma nova Mulher-Maravilha teria que manter reconhecível sua identidade emblemática. Foi quando Greg Potter entrou em cena. A proposta de Greg era fiel à origem básica, mantendo vários elementos – como a Ilha Paraíso, Steve Trevor e o concurso para selecionar a amazona que iria ao ‘mundo dos homens’ –, ainda que em formas diferentes”, continua Pérez. Foi de Greg a ideia de as amazonas serem reencarnações de mulheres assassinadas na pré-história e a de Ares ser a primeira grande ameaça, a que fez Diana ir ao mundo dos homens (especificamente a Boston, cidade natal de Greg, no Estado americano de Massachusetts) para salvá-lo dos planos do deus da guerra. Entretanto, alguns aspectos da visão de Greg não desceram muito bem junto ao pessoal da DC, particularmente junto às mulheres. Isso não era um bom presságio, já que se tratava do maior ícone feminino da DC.”

George Pérez

O desenhista George Pérez começou a trabalhar com quadrinhos na editora Marvel Comics, a grande rival da DC, nos anos 70. Com traço detalhado e limpo, fez sucesso desenhando personagens menos conhecidos (foi um dos criadores do Tigre Branco) e, depois, assumiu personagens de peso, como os Vingadores (de 1975 a 77) e o Quarteto Fantástico (1976 a 78).

Pérez foi para a DC em 1980. Virou desenhista semirregular da “Justice League of America”, a revista da Liga da Justiça, a partir do nº 184 (novembro de 1980). Mas seu grande sucesso na editora foi com a revista “The New Teen Titans”, conhecida no Brasil como os Novos Titãs.

Os Titãs eram um grupo de super-heróis formado por “sidekicks”, super-heróis adolescentes que atuavam como parceiros mirins de super-heróis mais tradicionais, para atrair um público mais infantil e dar um ar mais engraçado às histórias: Robin (parceiro do Batman), Aqualad (Aquaman), Ricardito (Arqueiro Verde) etc. O grupo de jovens heróis já havia tido uma revista própria em 1966, cancelada dez anos depois, mas não era do primeiro escalão da editora.

Isso mudou com o lançamento da “The New Teen Titans”, em novembro de 1980. Com Marv Wolfman nos roteiros e Pérez nos desenhos, a revista foi um sucesso. A dupla seguiu junta à frente do título por anos – até 1986. Não à toa, Wolfman e Pérez foram os escolhidos para a grande responsabilidade que era “Crise nas Infinitas Terras”.

Com o sucesso de “Crise”, na qual foi corroteirista, além de ilustrador, Pérez ficou cacifado como um peso-pesado da DC Comics. Assim, se John Byrne era o homem responsável pela revitalização do Superman e Frank Miller, pela do Batman, Pérez era o nome com a responsabilidade de transformar a Mulher-Maravilha em uma personagem dos anos 80.

Começa a era Pérez

“Eu queria a mitologia de volta. Eu queria purificar o conceito”, disse George Pérez sobre a revitalização da Mulher-Maravilha. Ele, o mesmo homem que havia desenhado a morte da Mulher-Maravilha da Terra-1 no último capítulo de “Crise”, foi o principal nome por trás da origem da princesa amazona. Além de desenhar os 24 primeiros números, Pérez passou cerca de cinco anos escrevendo as histórias que redefiniriam a personagem – as dos dois primeiros números, ao lado de Greg Potter, e a partir do terceiro, com o experiente Len Wein.

“Tentei criar uma humanista em oposição a um ponto de vista estritamente feminista, porque eu não queria que ela fosse uma personagem pré-disposta a confrontos”, disse Pérez ao livro “DC Comics – Sixty Years of the World’s Favorite Comic Book Heroes”. “Ela não tinha preconceito.”

E assim, tudo começaria do zero. A história que seria contada seria a origem da Mulher-Maravilha: por que ela usaria esse nome e esse uniforme; que poderes teria; qual e quando seria o contato dela com os demais super-heróis da editora DC.

Havia muito a contar, e nenhuma pressa. Tanto que a narrativa não começou com o nascimento da princesa Diana, mas bem antes disso: na pré-história. Se a revista “Wonder Woman” seria lançada a partir do nº 1 pela primeira vez desde sua origem, em 1942, se cancelariam uma publicação de mais de quatro décadas, tinha que valer a pena, com uma história bem contada e amarrada. E assim, o primeiro número da segunda série de “Wonder Woman” começa na Pré-História.

Tudo começou nas cavernas

Primeiro quadro, na página de abertura: um homem pré-histórico caminha cabisbaixo rumo à caverna. O requadro (recurso muito utilizado nas histórias em quadrinhos, normalmente um retângulo, em que aparece a narração) informa: estamos em 30.000 antes de Cristo.

Este homem foi ferido enquanto caçava. Abatido, humilhado por ter sido derrotado e sofrendo com os dolorosos sentimentos que recebeu, ele volta para a caverna que habita. Sua companheira tenta consolá-lo. Furioso, ele a agride, matando-a.

Dezenas de milhares de anos depois (em 1.200 antes de Cristo, para ser mais preciso), o leitor é levado ao Monte Olimpo, onde os deuses gregos estão no auge do seu poder e esplendor: Zeus, Ares, Atena, Hera, Apolo e outros debatem a criação de um novo tipo de humanidade, formado apenas por mulheres. O objetivo: que esta raça sirva de exemplo para a humana, já desgastada pelo uso excessivo da violência.

Zeus não autoriza a nova raça, mas, mesmo assim, seis deuses revolvem criá-la: Atena, Ártemis, Deméter, Héstia e Afrodite vão ao Hades (espécie de inferno da mitologia greco-romana). Lá, encontram as “almas de todas as mulheres cujas vidas foram encurtadas pelo medo e ignorância do homem”.

Assim, movidas pelo poder de cinco deusas, as almas de mulheres assassinadas por homens são enviadas à Terra para renascer – apenas uma dessas almas fica neste misterioso lugar do Hades, conhecido como Útero de Gaia.

A primeira a renascer é Hipólita, seguida por sua irmã, Antíope. Assim, uma a uma, elas surgem, já em corpo adulto. E quando todas estão prontas, as cinco deusas aparecem e lhes dão uma mensagem. Atena é quem começa:

“Filhas! Ouçam-me! Vocês são uma raça escolhida… Nascida para mostrar à humanidade a trilha da virtude… E os ensinamentos de Gaia! Graças a vocês, todos os homens nos conhecerão melhor… E nos adorarão para sempre! Assim sendo, Atena lhes confere sabedoria para se guiarem pela luz da verdade e justiça!”

Ártemis:

“Eu, Ártemis, lhes concedo o dom da caça! Deméter fará com que seus prados frutifiquem!”

Atena, novamente:

“Héstia há de erigir-lhes uma cidade e aquecer seus corações. A doce Afrodite dar-lhes-á o dom do amor! Vocês sempre encontrarão forças nesses dons. Eles são seus pelo direitosagradodenascença… Bem como o seu poder! Você, Hipólita, será a rainha de todas as minhas filhas. Antíope, governe ao lado de sua irmã. Certifique-se de que ninguém jamais abuse desses dons. As duas devem usar estes símbolos de nossa confiança: os cinturõesdeGaia! Jamais os removam! Agora partam, filhas… Vocês formarão uma irmandadesagrada… As minhas amazonas! Ninguém resistirá ao seu poder!”

No último quadrinho desta página, é mostrado que Ares, o deus da Guerra, o primeiro inimigo de Diana quando de sua criação, nos anos 40, está observando o nascimento das amazonas. Claro que nada seria tão simples quanto as cinco deusas previram.

Ares e Héracles

A influência da mitologia grega, já tão presente quando William Moulton Marston criou a Mulher-Maravilha, se mostra ainda maior nessa reinvenção comandada por George Pérez. Afinal, lançada em fevereiro de 1987, esta nova série da Mulher-Maravilha perde a referência da Segunda Guerra Mundial, o que faz crescer a importância dos elementos gregos.

Entretanto, a Mulher-Maravilha fora criada como um personagem que representa o caminho do amor em oposição ao da guerra. Era preciso que existisse o elemento bélico servindo de contraponto para explicar sua origem e motivações. Como a história se passa mais de quatro décadas após o fim da Segunda Guerra Mundial, este elemento é encarnando no personagem que será o primeiro grande antagonista da princesa amazonas: Ares, o deus da Guerra (acima, de azul, discursando no Monte Olimpo).

E é justamente Ares quem provoca a primeira grande tragédia das amazonas, muito antes do nascimento da princesa Diana. Por meio de manipulações, bem ao estilo da mitologia grega, ele leva Héracles (o famoso semideus dos Doze Trabalhos) a agir contra as amazonas, que agora estão estabelecidas em uma cidade-Estado chamada Themyscira, em território que nos dias de hoje pertenceria à Grécia.

Assim, posando de amigo, Héracles seduz e trai Hipólita, assim como seu Exército o faz com as demais amazonas. E assim como na história original criada por William Moulton Marston, as amazonas são escravizadas.

Cativa e algemada, Hipólita ora, e Atena lhe atende. Assim, as amazonas rebelam-se e conseguem escapar da prisão imposta por Héracles.

A fuga atenua, mas não apaga o peso da derrota para Héracles e seu Exército, e é seguida pelo cativeiro. As amazonas pagam dois preços: primeiro, Antíope renega os deuses do Olimpo e parte, seguida por novas amazonas, para um lugar desconhecido, separando-se de Hipólita e suas seguidoras (histórias posteriores contariam que elas se estabeleceriam no norte da África, em território que nos dias de hoje pertence ao Egito).

O segundo preço é que as cinco deusas que protegem as amazonas determinam que elas falharam, tornando-se amargas e corruptas. Para que se redimam, elas são enviadas a uma ilha que jaz sobre um “mal profundo”. As amazonas, a partir de então, serão imortais, para que purifiquem suas almas, e, ao mesmo tempo, atuem como carcereiras desse mal. As deusas dizem que essa ilha se parece com o Paraíso, mas que sua localização deve permanecer oculta do resto da humanidade e que nenhum homem deve pisá-la.

Assim, as amazonas vão à Ilha Paraíso, onde se estabelecem e vivem em paz, isoladas, por três séculos… Até que um nascimento vai mudar a dinâmica da ilha.

O nascimento de Diana…

Três séculos depois da criação das amazonas (portanto, cerca de 900 anos antes de Cristo), a rainha Hipólita sente uma enorme ansiedade dentro de si. Ao consultar Menalipe, o oráculo da ilha, a soberana descobre que todas as amazonas são mulheres reencarnadas, e que ela, Hipólita, foi a única que morreu grávida. Essa sensação angustiante, portanto, é o seu bebê natimorto querendo nascer.

Seguindo instruções das deusas, Hipólita vai à praia e molda, com o barro da Ilha Paraíso, a imagem de um bebê. Quando o corpo está pronto, a alma é liberada do Útero de Gaia. As deusas das amazonas, acompanhadas por Hermes, acompanham o nascimento, agraciando a princesa com bênçãos: força e poder, como os da própria Terra (dádiva de Deméter); enorme beleza e coração amoroso (Afrodite); sabedoria (Atena); olho de caçadora e compreensão das feras (Ártemis); afinidade com o fogo (Héstia); e velocidade e poder de voo (Hermes). Também sob orientação divina, Hipólita batiza sua filha com o nome de uma “guerreira incomparável”: Diana.

Assim, Diana é criada como a única criança em uma terra de mil mulheres adultas. Mimada e estimulada, é educada sob a forte e rígida cultura amazona.

Milênios depois (embora não esteja explícito na história, já é o ano de 1987), a oráculo Menalipe recebe um recado dos deuses. Ares, o deus bélico, enlouqueceu. O planeta Terra, e por extensão, a Ilha Paraíso, estão em risco. Assim, os deuses determinam que as amazonas devem escolher uma campeã, a melhor entre elas.

Um torneio deve ser realizado, seguido pela “prova do trovão”. A campeã deve ir ao mundo dos homens para enfrentar Ares.

Hipólita, temendo pela vida de sua filha, proíbe que ela participe da competição. Mas Diana reza e Atena a orienta para participar. Para que as amazonas duelem entre si, amigas há três mil anos, sem hesitação, a rainha determina que elas compitam mascaradas (diferente da versão do seriado da tv, que dizia ser uma “tradição” amazona que elas competissem com os rostos cobertos).

Assim, provas como arco e flecha, combate com bastões, teste de força, corrida com obstáculos e luta são disputadas. Diana é a vencedora e, apesar dos protestos de sua mãe, vai representar as amazonas… Caso sobreviva à Prova do Trovão (em inglês, Bullets and Bracellets). É mencionada uma tragédia, e a herança de tal tragédia é uma arma na Ilha Paraíso (seria explicado, anos depois, que a tragédia foi a queda de uma militar norte-americana na Ilha Paraíso; ela, uma brava guerreira, se chamava Diana Trevor).

Assim, a amazona chamada Philippus pega a arma e dispara três vezes contra Diana, que repele as balas com seus braceletes (que as amazonas são obrigadas a usar para se lembrarem do tempo em que foram feitas prisioneiras).

Um uniforme é criado especialmente para a missão da princesa Diana: um traje desenvolvido a partir do brasão da brava guerreira (Diana Trevor) que se sacrificou para que as amazonas pudessem viver. E assim, na última página do primeiro número da nova série “Wonder Woman”, a princesa Diana aparece, pela primeira vez, em seu uniforme de Mulher-Maravilha – mesmo que esse codinome ainda não existisse: ficou para a próxima edição.

… e o nascimento da Mulher-Maravilha

Após toda essa apresentação, que se passa no primeiro número da nova revista “Wonder Woman”, é a partir da segunda edição que as aventuras começam propriamente. Afinal, é quando ela chega ao “mundo dos homens”, conhece as pessoas que serão os coadjuvantes de suas histórias a partir dali e se prepara para o confronto com Ares.

De sua mitologia anterior, os personagens coadjuvantes mais importantes, o eterno amor Steve Trevor e a melhor amiga Etta Candy, reaparecem de maneira diferente. Trevor continua sendo um bravo coronel norte-americano, mas assume o papel de amigo, não mais de amor platônico. Etta deixa de ser uma gordinha caricata e tresloucada e vira uma tenente da Aeronáutica, ainda acima do peso, mas próxima dos padrões normais.

Surgem duas novas e importantes personagens: a professora de grego Julia Kapatelis e sua filha, Vanessa. Julia é a mentora que ensina inglês à Diana (ainda não batizada de Mulher-Maravilha), e quem lhe explica o funcionamento lógico e racional do mundo ao qual ela está chegando agora. Vanessa, por sua vez, é o lastro emocional: é quem ensina à Diana sobre música, garotos etc.

O cenário também é novo: em vez da Washington das primeiras histórias, ou da Nova York de quando ela trabalhou na onu, a princesa Diana agora mora em Boston.

Apenas no quarto número da revista, Diana toma atitude típica de uma super-heroína em público: enfrenta (e derrota) Ruína, filha de Ares, salvando Vanessa Kapatelis – criando, assim, o laço emocional que a ligará tanto a Vanessa quanto a Julia pelos próximos anos das histórias. A imprensa, ao ver seu traje de princesa e suas atitudes heroicas, além de seus poderes (afinal, ela voa e é mais forte, veloz e resistente que os humanos), confunde-a com uma super-heroína. Ao ver a águia estilizada em seu peito, que se parece com um WW, o jornal “Boston Globe-Leader” batiza-a de “Wonder Woman” (Mulher-Maravilha).

No confronto final com Ares, Diana (agora, Mulher-Maravilha) não o derrota pela violência, mas pela inteligência: ela usa o seu Laço da Verdade para mostrar a ele o que acontecerá caso realize seu plano de armar uma guerra nuclear para dominar a Terra: ele será o líder de um planeta devastado e morto. Ares desiste de seu plano e se retira. Encerra-se assim o primeiro arco da nova fase da Mulher-Maravilha, “Deuses e Mortais” – arco é o nome que as editoras dão a uma sequência de histórias que, lançadas separadamente em edições mensais, fazem sentido quando agrupadas (o que possibilita que sejam lançadas em forma de edições encadernadas).

De qualquer maneira, o primeiro arco foi concluído: o vilão original, Ares, foi confrontado, a revista foi um sucesso e havia toda uma nova mitologia para ser criada e apresentada aos leitores.

A principal diferença estava na maneira como ela derrotou Ares: esta Mulher-Maravilha era uma pacifista, uma estrategista, não uma guerreira com gosto pela batalha. Ela tinha uma mensagem, era uma espécie de “miss-beleza-com-propósito”. E isso duraria pelos próximos anos, sendo a principal marca dessa sua fase.

Super-heroína e… ativista

Uma nova e importante coadjuvante é apresentada: a milionária relações-públicas Myndi Mayer, que aparece para ajudar a “divulgar” a mensagem da princesa Diana – na verdade, ela queria apenas lucrar em cima da linda e inocente super-heroína.

Em uma passagem curiosa, Mayer propõe que a princesa Diana assuma um nome “humano” e sugere Diana Prince (sua identidade secreta na fase anterior). Diana responde: “Eu vim ao mundo do patriarcado para ensinar… com base no que sou. Como vão acreditar em alguém… que se esconde atrás de um nome falso?”

Essa passou a ser outra diferença: a nova Mulher-Maravilha não tinha identidade secreta. Todos sabiam que ela era a princesa da distante ilha de Themyscira, que veio ao mundo divulgar sua filosofia baseada no amor, na igualdade, na solidariedade (em uma bem sacada volta aos objetivos lançados por William Moulton Marston quando criou a personagem). E nesse mundo pós-Crise nas Infinitas Terras, ela era uma novata, comparada aos demais heróis. Superman, Batman, Lanterna Verde e Liga da Justiça já existiam quando ela surgiu em Boston. Ou seja: ela jamais havia integrado a Sociedade da Justiça ou a Liga da Justiça

Para aplicar a nova situação da Mulher-Maravilha ao novo Universo DC que se desenhava pós-Crise nas Infinitas Terras, a editora recorreu a um recurso que os leitores, normalmente, não gostam: “retcon” (continuidade retroativa).

Inventou-se, portanto, que a Sociedade da Justiça agiu na Segunda Guerra Mundial sem a Mulher-Maravilha – e sem Batman e Superman, aliás. No lugar dela, a personagem feminina do grupo foi a Miss América (curiosamente, nome com a qual a Mulher-Maravilha foi batizada no Brasil, quando publicada pela editora Ebal). A Miss América (Joan Dale) era uma personagem obscura da DC que havia participado de algumas aventuras da Sociedade da Justiça, mas sem tanto destaque, e enfiá-la assim, a fórceps, em um supergrupo, não mexeria tanto em sua cronologia, já que havia pouco para ser mexido.

Na Liga da Justiça, grupo do qual a Mulher-Maravilha era membro fundador, ela foi substituída pela Canário Negro 2 (filha da Canário Negro original, integrante da Sociedade da Justiça).

Tudo estaria bem resolvido para sempre, mas a editora DC, mais ainda do que sua rival Marvel, não resiste a retcons, e voltaria a bagunçar essa histórias muitas vezes depois.

Mas o fato é que lá estava ela: Mulher-Maravilha, sem supergrupo, sem identidade secreta, com novos e interessantes codjuvantes, um ótimo roteirista (George Pérez)… E um futuro aberto pela frente.

Nova Moça-Maravilha

Não havia espaço para uma nova Moça-Maravilha nesse Universo DC pós-Crise nas Infinitas Terras. Pelo menos, não em um primeiro momento. Assim, Donna Troy, a Moça-Maravilha, criada em 1965 como coadjuvante dos Novos Titãs e que nada tinha a ver com a Mulher-Maravilha, exceto ter sido salva por ela na infância, teve sua origem recontada e ficou mais distante ainda da Mulher-Maravilha.

Agora, Donna Troy era uma órfã que fora criada em outro planeta pelos mitológicos Titãs, os mesmos que foram os pais do Panteão Grego liderado por Zeus, e que acompanha a Mulher-Maravilha em suas aventuras – em tese, a única ligação entre a princesa Diana e Donna Troy: ambas têm suas vidas ligadas a deuses.

Assim, a nova Donna Troy troca seu uniforme para um preto, mais distante do modelo original que ela usava e que remetia ao da Mulher-Maravilha, e também troca de nome: deixa de ser Moça-Maravilha e vira Troia.

Quem diria que, alguns retcons depois, descobrir-se-ia que ela era a irmã gêmea da Mulher-Maravilha e, mais do que isso, se tornaria a própria Mulher-Maravilha?

Superman e Mulher-Maravilha… namorados? (parte 2)

No final dos anos 70, a DC Comics já havia flertado com um possível romance entre Superman e a Mulher-Maravilha (ver o post 6 desta série). O amor entre eles, artificialmente criado por um deus vingativo, durou poucas páginas. Mas, agora que as mitologias dos heróis estavam sendo recontadas desde o início, por que não voltar ao tema?

Em 1988, a DC Comics comemorava os 50 anos do Superman. Como era o período pós-Crise nas Infinitas Terras, as histórias de seus personagens estavam sendo recontadas desde o início. E uma edição especial, “Action Comics” nº 600, traria o primeiro encontro do reformulado Superman com a reformulada Mulher-Maravilha. Detalhe: a capa da edição, composta por cinco imagens (eram cinco histórias diferentes dentro), não priorizava esta história, mas trazia um desenho pequeno e marcante relacionado a ela: Superman e Mulher-Maravilha se beijando.

Dois anos depois, quando a história foi publicada no Brasil, em “Superpowers” nº 16 (editora Abril, fevereiro de 1990), esse desenho do beijo foi ampliado e tomou toda a capa da revista. E não havia traição: Clark Kent não tinha relação alguma com Lois Lane, assim como a princesa Diana e Steve Trevor eram apenas bons amigos.

A história, chamada “Mundos Diferentes”, traz o novo primeiro encontro de ambos em particular (não à toa, o capítulo inaugural se chama “Primeiro Encontro”), e é narrada pelos dois reformuladores dos personagens: George Pérez na arte-final e John Byrne (que reformulou o Superman) no roteiro e nos desenhos. Os dois personagens haviam se visto rapidamente na minissérie “Lendas”, publicada em 1987.

“Mundos Diferentes” vai direto ao ponto: um beijo, mostrado em quatro quadros, entre o kryptoniano e a princesa amazona. Entretanto, enquanto ele está empolgado, de olhos fechados, ela está aparentemente assustada, com os olhos arregalados. Tanto que, ao parar de beijá-la, Superman lhe diz: “Eu… D-desculpe… Acho…Acho que me excedi…”.

E o diálogo segue, mostrando o lado humano, inseguro, de ambos os ícones:

“(Mulher-Maravilha) – Um pouco! Eu não esperava uma recepção tão calorosa, Super-Homem! (nota do autor: como o personagem era chamado no Brasil à época)

(Superman) – Desculpe de novo, Mulher-Maravilha! Acho que sou meio atrapalhado nessas coisas…

(Mulher-Maravilha) –Nessas coisas?

(Superman) – É, eu… Bom, é que você não me sai da cabeça desde que a gente se viu em Washington! Acho que me iludi pensando…

Achando que você pensava em mim também! Desculpe!

(Mulher-Maravilha) – É a terceira vez que você pede desculpas, Super-Homem, e eu não posso dizer que você esteve ausente dos meus pensamentos nestes últimos meses. Na verdade, uma amiga em Boston disse que meu silêncio, sempre que falávamos em você, era bastante significativo…

(Superman) – Então… Pode existir uma chance de que os meus sentimentos sejam recíprocos?

(Mulher-Maravilha) – Eu… não sei! Vivo no mundo dos homens há pouco tempo e essas emoções que existem entre os sexos são muito novas para mim!”

O diálogo prossegue, amistoso, mas é interrompido por uma emergência. Darkseid, um dos maiores vilões do Universo DC, está invadindo o Monte Olimpo, onde moram os poderosos deuses gregos cultuados pela Mulher-Maravilha.

Ao ver que Superman e Mulher-Maravilha chegam ao Monte Olimpo, Darkseid arma um engodo para colocar um contra o outro – cada um achando que o outro é um impostor. E assim, por quatro páginas, ambos se enfrentam em combate cinematográfico ilustrado pela dupla John Byrne & George Pérez. Depois, é revelado que ambos perceberam o engodo e fizeram uma luta simulada apenas para encontrarem Darkseid. O vilão deixa o Monte Olimpo e retorna ao seu mundo natal.

Com os deuses gregos livres, os heróis estão livres para retomarem seu encontro, que termina com mais um diálogo que mostra o lado humano de ambos:

“(Superman) – Eu me enganei quando achei que poderia haver um romance entre nós! Eu admiro e respeito você… mas sou só um garoto do interior! Ter a Mulher-Maravilha seria demais pra mim!

(Mulher-Maravilha) – Eu… só acho que somos de mundos diferentes… de filosofias diferentes! Talvez nunca sejamos amantesmas ainda podemos ser amigos… se você me chamar de Diana!

(Superman) – Combinado! Desde que você me chame de Clark!”

Mais uma década se passaria até que o possível romance entre ambos fosse retomado, e isso aconteceria em grande estilo na minissérie “Kingdom Come”, de 1996 (ver o próximo post).

A tribo perdida

Outra novidade criada por George Pérez surgiu em abril de 1989: a tribo perdida das amazonas. Desde que reiniciou a sua reformulação da Mulher-Maravilha, Pérez determinou que as amazonas deixaram a Grécia, guiadas pela rainha Hipólita, para fundar a cidade de Themyscira na América Central (Triângulo das Bermudas, para ser mais exato). Entretanto, um outro grupo de amazonas seguiu a irmã de Hipólita, Antíope, em outra direção e com outro objetivo: rumaram para a África. E queriam vingança.

As “amazonas perdidas” surgem em meio a um confronto da Mulher-Maravilha contra uma de suas maiores inimigas: a Mulher-Leopardo. A arqueóloga britânica Bárbara Minerva consegue misticamente seus poderes. E, para ampliar sua força – e sua sobrevivência –, rouba o laço mágico da princesa Diana.

A busca da Mulher-Maravilha por seu laço mágico – e pela Mulher-Leopardo – a leva para o norte da África. Ela encontra a cidade de Bana-Mighdall, fundada três milênios antes por suas irmãs amazonas e comandada pela rainha Anahid. Bana-Mighdall fica perto da vila fictícia de Syene Kesh, no Egito.

As amazonas de Bana-Mighdall são bélicas, selvagens, homicidas, fabricam armas e têm um senso de honra diferente: por meio de traição, a rainha Anahid derrota e aprisiona a Mulher-Maravilha. Depois, Anahid é assassinada pela Mulher-Leopardo, que por sua vez é derrotada pela Mulher-Maravilha.

Há um último confronto em Bana-Mighdall: assim como Themyscira tem uma campeã guerreira, que atende pelo nome de Mulher-Maravilha, as amazonas africanas têm sua campeã guerreira, que usa uma poderosa armadura e atende pelo nome de Shim’Tar. Com a morte da rainha Anahid, Shim’Tar (uma amazona chamada Faruka) assume o trono e a liderança das bana-mighdallis e confronta a Mulher-Maravilha.

A batalha termina com a aparente destruição de Bana-Mighdall e a morte de suas amazonas – o que, obviamente, não aconteceu. Um novo elemento foi acrescentado à mitologia da Mulher-Maravilha e seria retomado nos anos vindouros – inclusive na polêmica sucessão da princesa Diana enquanto Mulher-Maravilha (ver o próximo post).

Liga da Justiça Europa

A nova (e pacifista) Mulher-Maravilha enfrentou, nesta fase de descobrimento do mundo, vilões novos, como a Cisne de Prata (fruto de terríveis experiências tecnológicas), e antigos, como as místicas Circe e Mulher-Leopardo (Cheetah, no original), mas com suas origens readaptadas àquele Universo DC pós-Crise nas Infinitas Terras.

Como desde o meio dos anos 80 tornou-se moda entre as grandes editoras de super-heróis fazer “sagas”, ou seja, grandes histórias que repercutem na maioria dos seus títulos, a Mulher-Maravilha acabou envolvida. Por isso, ela participou, ainda que como coadjuvante, de sagas como “Lendas”, em que o vilão Darkseid atacava a Terra; “Milênio”, um grande confronto com os vilões alienígenas Caçadores Cósmicos; e “Invasão!”, quando nove povos extraterrestres se unem para invadir a Terra. Nesta saga, pela primeira vez, ela tem uma participação maior. Afinal, nas anteriores, ela ainda era uma heroína em formação.

E, ao final de “Invasão!”, a Mulher-Maravilha passa a fazer parte, pela primeira vez, de um supergrupo no novo Universo DC: a Liga da Justiça Europa. É a mesma Liga da Justiça da qual ela havia feito parte, mas o grupo havia tomado de tamanho e dividido em dois para tentar impedir ameaças globais.

Enquanto as histórias solo da Mulher-Maravilha eram mais dramáticas, de formação e construção da personagem, usando e abusando da mitologia grega e da mitologia themysciriana (reinventada por George Pérez), sua participação na Liga da Justiça Europa, escrita por Keith Giffen e Gerard Jones, era pontuada com muito humor e simples confrontos com supervilões do Universo DC. George Pérez escreveu a Mulher-Maravilha por cinco anos. Foram 62 edições, sendo a última a de número 62, de fevereiro de 1992. Na sequência, dois bons roteiristas entraram em seu lugar. Primeiro, William MessnerLoebs, que cuidou da revista de 1992 a 1995, e apresentou a segunda Mulher-Maravilha (!). Depois, John Byrne, que escreveu de 1995 a 1998 – e apresentou a terceira Mulher-Maravilha, que, por uma dessas liberdades dos quadrinhos, também se tornou a primeira Mulher-Maravilha (!!). E, sim, no século 21, haveria uma quarta Mulher-Maravilha (!!!)

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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