Estamos no antepenúltimo capítulo do Dossiê Mulher-Maravilha, nossa homenagem à mitológica (em mais de um sentido) heroína da DC Comics.
Nesta segunda, abordaremos, entre outros temas:

  • Da nova Mulher-Maravilha (uma outra amazona que não a Princesa Diana);
  • Da irmã gêmea da nossa heroína – aposto que você não sabia que ela tinha uma;
  • Da heroína como líder da Liga da Justiça;
  • Da morte da Mulher-Maravilha – e, claro, do seu retorno.

Amanhã, falaremos da ótima fase escrita e ilustrada pelo grande Phil Jimenez.

*****

“Os dias de Diana como Mulher-Maravilha acabaram. Você lutou arduamente e por muito tempo pelas coisas nas quais acreditava aqui entre os mortais deste mundo, Diana. Mas os poderes com que nós deuses a contemplamos sempre a ligaram a nós. Agora, para sempre, você será verdadeiramente uma de nós. Chegou o momento de você assumir seu lugar de direito entre nós. Bem-vinda ao Olimpo, Diana. Bem-vinda, deusa da verdade.”

(Hera, consorte de Zeus, senhor do panteão grego)

Depois de George Pérez

Uma vez que a personagem Mulher-Maravilha já estava devidamente criada e estabelecida, reintegrada ao Universo DC, fez parte da Liga da Justiça Europa, participou de sagas com todos os outros super-heróis, teve sua origem devidamente apresentada e reapresentada, bons (e nem tão bons) inimigos etc, surge um problema para os sucessores de George Pérez: o que fazer com a personagem?

Editores e criadores de histórias em quadrinhos de super-heróis têm esse problema de quando em quando. Há algumas saídas “tradicionais”:

  • Reinventar a história do personagem. É a chamada “retcon”: continuidade retroativa. Dizer que não era bem aquilo, que houve um elemento de fora, que fulano era irmão de beltrano etc;
  • Revolucionar: por exemplo, inventar que o Homem-Aranha não era o Homem-Aranha, mas um clone dele mesmo, e o verdadeiro Homem-Aranha está perdido por aí; separar o Hulk de Bruce Banner, que passam a ser, agora, personagens diferentes; aleijar o Batman; mudar o uniforme e os poderes do Superman. Sim, as alternativas acima foram todas testadas – e, depois, voltou-se atrás, como era de se esperar. Todas essas “revoluções” terminam com o retorno ao “status quo” original. Ou seja: faz-se muito barulho, aumenta-se as vendas por algumas edições, mas tudo volta a como estava e não se fala mais nisso;
  • Matar o personagem para ressucitá-lo depois. A rigor, a Mulher-Maravilha já havia morrido no último capítulo de “Crise nas Infinitas Terras”, o que fazia sentido, pois sua história foi zerada e recontada a partir do primeiro número da segunda série da revista;
  • A alternativa mais difícil: contar boas histórias sobre o que já foi criado.

As cartas estavam à mesa. Coube ao roteirista William Messner-Loebs mexer com elas.

Uma outra Mulher-Maravilha

Acompanhado pelo desenhista paraibano Deodato Borges Taumaturgo Filho, que assina nos Estados Unidos como Mike Deoadto Jr., Messner-Loebs partiu para o caminho da “revolução”, com um pouquinho de “retcon”.

Após um período de adaptação ao título, Messner-Loebs apresenta que a rainha Hipólita, líder das amazonas e mãe da princesa Diana, resolve que a filha não será mais a Mulher-Maravilha. Opta pela criação de um novo desafio, nos moldes daquele mesmo que já havia sido usado na origem da Mulher-Maravilha da Era de Ouro, da Era de Prata, do seriado de tv e da origem pós-Crise: torneios físicos, em que venceria a melhor amazona.

Mas, desta vez, não foi a princesa Diana.

Essa foi a grande inovação, a “revolução” que mostrou que havia uma nova era em curso: surge a ruiva Ártemis de Bana-Mighdall (acima, à esquerda), a nova Mulher-Maravilha. Menos inteligente, menos piedosa, mais guerreira, mais violenta.

Apesar da derrota, Diana não abandona o mundo dos homens. Mesmo sem seu uniforme e sem o título de Mulher-Maravilha, age contra o crime, agora com uma jaqueta de couro, uma justa bermuda que realça suas curvas, um cabelo curto e um olhar mais malvado (acima, à direita).

O cabelo ruivo, a atitude arrogante, violenta e impulsiva e o fato de ter se tornado uma nova Mulher-Maravilha mostram que a origem de Ártemis remete à Orana (ver o sexto post desta série), a segunda Mulher-Maravilha da Era de Prata, e à Bana-Mighdall (ver o sétimo post desta série) – afinal, ela é uma das sobreviventes da tribo perdida das amazonas. Em vez de reaproveitar a personagem Orana, os editores resolveram criar uma nova, mas um pouco mais próxima de Diana, especialmente no nome: afinal, Diana é o nome da deusa romana da caça, assim como Ártemis é a deusa grega da caça.

Se, a rigor, Ártemis foi a terceira Mulher-Maravilha, na cronologia do Universo DC ela era apenas a segunda: as histórias com Orana foram desconsideradas por serem pré-Crise nas Infinitas Terras.

A Mulher-Maravilha de Messner-Loebs seguiu o espírito da “geração Image” que os quadrinhos norte-americanos atravessavam à época. Naquele momento, seis bons desenhistas-roteiristas deixaram as duas grandes editoras (Marvel e DC) e criaram a sua própria (Image – “imagem”, em português).

Os seis eram bons desenhistas, mas não necessariamente bons escritores. Entretanto sacudiram o mercado, e a maior parte dos títulos de super-heróis da época seguiram o modelo Image: heróis “modernos” (violentos, antiéticos), desenhos de homens e mulheres musculosos e fazendo cara de mau em qualquer situação (mesmo em coisas simples como tomar um copo d’água), histórias adolescentes e sem preocupação de muita profundidade. Um confronto entre mocinhos e heróis, com muitas páginas duplas de ação e mulheres visualmente atrativas, estaria de bom tamanho.

A revista da Mulher-Maravilha foi, enfim, afetada. A personagem não se tornou antiética, mas ficou mais agressiva e violenta, em detrimento do seu lado diplomático e missionário tão bem aplicado por Pérez. As histórias se tornaram mais fracas. Sai o lado de querer pregar o amor ao mundo, entram os vilões: Circe, Mulher-Leopardo, Mago Branco e até o Coringa, arquirrival do Batman.

O período de Ártemis (no original, “Artemis”) como Mulher-Maravilha foi de dezembro de 1994 (“Wonder Woman”, segunda série, nº 92) a agosto de 1995 (“Wonder Woman”, segunda série, nº 100) – nove edições.

Além do enfraquecimento dos roteiros, houve uma mudança drástica quanto à arte. A Mulher-Maravilha era sexy, muito sexy. Talvez demais para uma personagem que se propõe ser o ícone da mulher independente e que vence pelo amor – e não pela violência ou pela sexualidade.

A Mulher-Maravilha passou a ter pernas ainda mais longas, coxas ainda maiores e seios gigantes. Anos depois, em entrevista a Lee Daniels, o roteirista Messner-Loebs disse que sabia que o artista brasileiro Deodato Taumaturgo Borges Filho (que assina como Mike Deodato Jr.) estava “desenhando (a Mulher-Maravilha) da maneira como George Pérez esperava que não fosse desenhada”. Mas não admite que tenha sido um erro da equipe criativa tê-la tornado tão sexy: “Eu realmente tenho sentimentos mistos sobre isso”.

Líder da Liga da Justiça

Paralelo a isso, em outro reflexo da era Image, o Superman morria, em uma história que não fazia sentido, mas muito bem desenhada, em que cada página da história tinha um único e enorme desenho, que parecia um pôster. Era uma daquelas “revoluções”. Mas essa teve reflexo para a Mulher-Maravilha: Superman era o líder da Liga da Justiça. Com ele morto, a Mulher-Maravilha assumiu o posto, para honrar o legado do amigo.

Essa fase da Liga, entretanto, não foi das melhores, e esta passagem da Mulher-Maravilha pelo título não foi das mais brilhantes – a revista acabaria sendo cancelada. Entretanto, com o enorme tempo que ela ficou como líder do grupo (de fevereiro de 1993, em “Justice League of America” nº 71, a agosto de 1996, em “Justice League Task Force” nº 37), a Mulher-Maravilha voltou a ser uma referência à equipe e, por extensão, ao universo DC, o que não acontecia desde que as histórias foram zeradas em “Crise nas Infinitas Terras”.

Após 40 histórias à frente da Mulher-Maravilha, Messner-Loebs deixa o título no nº 100, cujo ápice é a morte da Mulher-Maravilha – Ártemis, é claro. É dito que uma profecia havia revelado à rainha Hipólita que a Mulher-Maravilha morreria. Para preservar a filha, ela criou um novo torneio, para que outra amazona tombasse em seu lugar.

O saldo dessa saga foi que a rainha das amazonas, afinal, não era tão nobre quanto parecia (e o quanto cobrava de suas súditas); e a princesa Diana começou a rumar para um caminho menos pacifista, mais bélico. A tal “revolução” – uma nova Mulher-Maravilha – não seguiu adiante, do mesmo modo que a morte do Superman, é claro, não foi mantida.

A nova Moça-Maravilha

A partir do n‘ 101 de “Wonder Woman”, um novo roteirista-desenhista assume as histórias: o britânico-canadense John Byrne. Anos antes, ele havia reformulado o Superman da mesma maneira que George Pérez fez com a Mulher-Maravilha.

Talentoso e com longo histórico de boas histórias com quadrinhos de super-heróis, Byrne optou por quase todos os caminhos à disposição: “revolucionar”, “retcon”, morte da Mulher-Maravilha e até boas histórias.

A sua primeira inovação foi a mudança da base de operações da Mulher-Maravilha para Gateway City, onde ela passou a trabalhar no museu local com a arqueóloga Helena Sandsmark. Depois, a criação da segunda Moça-Maravilha. Já que a primeira, Donna Troy, tinha uma mitologia completamente confusa (e que precisaria ser reexplicada), Byrne reinventou o conceito da personagem.

Surge Cassandra “Cassie” Sandsmark. Primeiro, como coadjuvante, em “Wonder Woman” nº 105 (janeiro de 1996), uma fã da Moça-Maravilha original. Depois, em meio a uma batalha da Mulher-Maravilha com um clone de Apocalypse (o vilão que assassinou Superman), Cassie improvisa um uniforme com as sandálias do deus grego Hermes e o cinturão de Atlas e ajuda a Mulher-Maravilha. Em agradecimento, a princesa de Themyscira passa a treinar a adolescente – que, revela-se muitos anos depois, é uma filha do deus grego Zeus com a humana Helena Sandsmark.

Sua primeira ação como a segunda Moça-Maravilha se dá em “Wonder Woman” nº 113 (setembro de 1996), e a personagem passa a se fixar como coadjuvante da revista. Mais: ganha vida própria e passa a fazer parte de supergrupos do Universo DC: Justiça Jovem, em um primeiro momento, e Titãs, depois. Não foi uma “revolução” qualquer: foi uma mudança significativa no universo da Mulher-Maravilha.

Superman e Mulher-Maravilha… namorados? (parte 3)

Se na continuidade normal era (e ainda é) difícil fazer com que Superman e Mulher-Maravilha tenham um caso, pelas consequências que gerariam na mitologia de cada um deles, sem falar na da Liga da Justiça, ainda há uma possibilidade: uma realidade alternativa.

O “futuro hipotético” é um conceito comum no gênero dos superheróis. A editora Marvel o chama de “What If?”, que é traduzido no Brasil como “O que aconteceria se?”. A DC, por sua vez, chama de “Elseworlds” – no Brasil, conhecido como “Túnel do tempo”.

São histórias que podem se passar no passado, presente ou futuro, mas que não interferem na cronologia oficial dos personagens. Algumas, que se situam no futuro, são aceitas como “possíveis futuros” da editora. E é nesse contexto que surgiu a belíssima minissérie“Kingdom Come”, de Mark Waid (roteiro) e Alex Ross (arte), publicada em quatro números em 1996. No Brasil, a história teve duas publicações: “O Reino do Amanhã”, pela editora Abril, em 1997, e “Reino do Amanhã”, pela editora Panini, em 2004.

“Kingdom Come” se passa 20 anos no futuro. Lois Lane foi assassinada pelo Coringa. E o mundo, superpovoado por super-heróis, está à beira de uma guerra entre esses seres superpoderosos. Nesse contexto, um Superman envelhecido, com cabelos ficando brancos, aproxima-se de uma Mulher-Maravilha mais guerreira do que nunca.

O primeiro e rápido beijo acontece apenas no terceiro número, às vésperas da épica batalha que encerrará a história, e é descrito como “Os lábios dela tocam os dele como mármore raspando em aço. É um beijo sem nenhuma paixão. Um último adeus”.

Os heróis, é claro, vencem a ameaça. Mas o melhor está depois da batalha. No epílogo de “Kingdom Come” – que não foi publicado na edição normal, apenas na edição especial, lançada um ano depois – é revelado que a Mulher-Maravilha está grávida… do Superman. E ambos pedem a Batman que seja o pai da criança. Relutante, ele aceita.

A história dessa “realidade alternativa” não acaba aí. O nascimento do bebê aparece na minissérie “The Kingdom”, publicada em 1999 (no Brasil, “O Hipertempo”, publicada em “Superman” nº 7, editora Abril, fevereiro de 2001).

Nesta história, é relatado o nascimento de Jonathan, um personagem poderosíssimo (como não poderia deixar de ser, com os pais que tem), mas que não foi mais utilizado pela editora.

O possível amor entre Superman e Mulher-Maravilha seria mais uma vez abordado no ano seguinte – e, desta vez, na continuidade oficial da editora.

A nova Liga da Justiça

Ainda por volta de 1996, a revista da Liga da Justiça, da qual a Mulher-Maravilha ainda era líder, ia mal nas vendas. Exceto pela líder, a equipe era formada por heróis de pouca expressão: Demônio Azul, Dama do Gelo, Manto Negro, Nuklon, Metamorfo e a carioca Fogo. Resultado: a revista “Justice League America” foi cancelada no nº 113, de agosto de 1996, para dar lugar a uma nova e reformulada “JLA”, que estreou em janeiro de 1997.

A nova revista, agora escrita pelo roteirista em ascensão Grant Morrison, investiu em uma fórmula que não usava desde 1983: uma Liga da Justiça formada pelos principais personagens da editora. Assim, o novo grupo, que ganha dos leitores o apelido de “big guns” (“pesos pesados”, em tradução livre), é formado por Superman (líder), Batman, Flash, Lanterna Verde, Aquaman, Caçador de Marte e, claro, Mulher-Maravilha.

A nova fase da Liga da Justiça é um sucesso, e aposta no lado mais “super” e menos “herói” dos super-heróis. Assim, é realçada, como nunca, a força, a resistência e a velocidade da Mulher-Maravilha, que aparece quase tão poderosa quanto Superman.

Também é realçado o lado bélico da personagem. Em vez da intelectual pacifista que é apresentada na fase pós-Crise nas Infinitas Terras, ela é a guerreira themysciriana, que sabe e gosta de guerrear.

A (nova) morte da Mulher-Maravilha

Todo super-herói dos quadrinhos já passou por isso, e ela não poderia ficar de fora.

Em “Wonder Woman” nº 127 (novembro de 1997), a Mulher-Maravilha morre, vítima de um violento confronto com Neron, um vilão poderosíssimo, mas pouco tradicional.

Neron foi criado em novembro de 1995 por Mark Waid e Howard Porter como o antagonista principal da minissérie “A Vingança do Submundo”. Assim como o Mefistóteles de Fausto, trata-se de um demônio que oferece o maior desejo da pessoa (no caso do Universo DC, do superser), em troca de sua “alma”. Em sua primeira aparição, ele tenta alguns heróis, dezenas de vilões… e mesmo assim é derrotado.

Todavia, passou a fazer parte integrante do Universo DC. Entretanto, como é difícil usar um personagem tão poderoso (quem teria poder suficiente para enfrentá-lo?), passou a ser pouco utilizado… Até este confronto com a Mulher-Maravilha.

A morte dela, é claro, não foi o fim. Exatamente na mesma edição, os deuses gregos, aqueles que acompanharam a princesa Diana durante toda sua vida, a deificaram: de agora em diante, ela era Diana, a Deusa da Verdade. Seus dias de super-heroína ficaram para trás.

Ou não?

Afinal, Mulher-Maravilha tornou-se um título, um manto, que poderia ser passado adiante. O primeiro exemplo foi Ártemis, que tornou-se a Mulher-Maravilha por um curto período, até morrer. Ela já havia ressuscitado e até assumido outras identidades (Javelin, em um primeiro momento; Réquiem, depois), mas não coube a ela a tarefa de assumir o vácuo deixado pela morte da princesa Diana: a mãe, a rainha Hipólita, assumiu o lugar da filha.

A terceira Mulher-Maravilha apresentava algumas diferenças em relação à anterior: mais baixa, mais magra, sem o emblema de WW no peito (na verdade, uma águia estilizada), substituído por uma águia (uma homenagem de John Byrne às primeiras aparições da Mulher-Maravilha, nos anos 40). Além disso, a nova Mulher-Maravilha porta uma espada e um escudo, em vez do Laço da Verdade.

A terceira (e primeira) Mulher-Maravilha

Em seu primeiro dia como Mulher-Maravilha, a rainha Hipólita viajou no tempo com o primeiro Flash (Jay Garrick). Viajaram até a Segunda Guerra Mundial, onde Hipólita permaneceu por oito anos, lutando ao lado da Sociedade da Justiça, para só então retornar ao presente, no mesmo dia em que havia partido.

Com esta viagem no tempo, se dá um “retcon” (continuidade retroativa), em que se “corrige” muitos buracos na mitologia da editora DC. Afinal, antes da “Crise nas Infinitas Terras”, a Mulher-Maravilha havia surgido durante a Segunda Guerra e lutado ao lado da Sociedade da Justiça.

Depois da “Crise”, ficou estabelecido que ela só surgiu nos anos 80, e que a mulher que lutou com a Sociedade da Justiça foi a Miss América.

Agora, com essa viagem no tempo, “encaixa-se” que quem lutou na Sociedade da Justiça foi a Mulher-Maravilha/Hipólita. Assim, quando Diana surge nos céus de Boston nos anos 80, e a imprensa a batiza de Mulher-Maravilha, não é só pela águia estilizada de seu uniforme, que lembra dois Ws (de Wonder Woman), mas também porque eles se lembram de uma Mulher-Maravilha que havia lutado ao lado do Exército norte-americano contra os nazistas.

E com esse “retcon”, fica estabelecido que a primeira Mulher-Maravilha, nessa nova mitologia do Universo DC, é… A rainha Hipólita, nos anos 40, seguida pela princesa Diana, décadas depois, e pela impulsiva Ártemis, por um curto período de tempo.

Ao voltar para o presente, Hipólita substitui sua filha como a Mulher-Maravilha que faz parte da equipe de “pesos pesados” da Liga da Justiça. Ela ficaria no grupo por apenas oito edições, até “jla” nº 23 (outubro de 1998).

O período de Hipólita (no original, “Hippolyta”) como MulherMaravilha durou de dezembro de 1997 (“Wonder Woman”, segunda série, nº 128) a agosto de 1998 (“Wonder Woman”, segunda série, nº 136) – nove edições, exatamente o mesmo período de Ártemis como Mulher-Maravilha.

Curiosamente, no Brasil, onde a morte da Mulher-Maravilha não foi publicada, a editora que publicava as histórias da Liga da Justiça (editora Abril, na revista “Os Melhores do Mundo”) preferiu omitir essa substituição da equipe. Omitiu páginas, cortou diálogos e, para o leitor brasileiro, a Mulher-Maravilha/Hipólita era publicada como a Mulher-Maravilha/Diana, apesar da diferença no uniforme e no cabelo.

E se isso parece confuso, espere para ver a resposta para a pergunta “Quem é Donna Troy?”. A nova origem para a primeira Moça-Maravilha é ainda mais confusa.

A irmã gêmea da Mulher-Maravilha

A primeira Moça-Maravilha a surgir na mitologia da MulherMaravilha foi a princesa Diana, ainda pré-adolescente, antes mesmo de ela se tornar a Mulher-Maravilha, em abril de 1959 (“Wonder Woman” nº 105; ver capítulo 3).

Nos anos 60, a DC Comics criou a Turma Titã, uma equipe de super-heróis adolescentes formada por Robin (do Batman), Aqualad (do Aquaman) e Kid Flash (do Flash) – mais tarde, uma nova Moça-Maravilha faria parte do grupo.

Essa nova heroína, Donna Troy, era uma órfã humana sem ligação sanguínea com as amazonas, mas que teve a vida salva, ainda bebê, pela Mulher-Maravilha, que a levou para a Ilha Paraíso, onde foi tratada pelas médicas amazonas e acabou recebendo superpoderes.

No seriado de tv dos anos 70, apareceu Drusilla, a irmã mais nova da Mulher-Maravilha, que também foi apelidada de Wonder Girl (na tradução do seriado para o Brasil, Garota Maravilha; ver o post 6 desta série).

Eram três origens diferentes, para três personagens diferentes com o mesmo codinome: a Diana adolescente; Donna Troy; e a irmã de Diana (Drusilla).

No fim de sua marcante passagem pela revista “Wonder Woman”, John Byrne conseguiu unir as três definições em uma – o que exigiu alguns malabarismos de roteiro e um “retcon”.

É revelado que, na sua infância, a princesa Diana sentia-se sozinha. Afinal, era a única criança na ilha Themyscira. Ao contar seu drama para a feiticeira do povoado, a poderosa Magala, Diana ganhou um “presente”. Magala fez com que a princesa se olhasse em um espelho e caminhasse para longe dele. A imagem refletida deixou o espelho e, magicamente, tornou-se uma “irmã gêmea mágica” de Diana. Magala, Diana e sua gêmea esconderam o segredo das demais amazonas.

Ou seja: a princípio, essa nova personagem era a própria Diana, jovem, mas também era um tipo de irmã (gêmea e criada por mágica) da princesa. As duas foram amigas inseparáveis por seis meses, até que uma inimiga de Hipólita chamada Anjo Negro, querendo atingi-la, viajou à ilha Themyscira para sequestrar a filha única da rainha. Por engano, Anjo Negro levou a gêmea mágica.

A situação piora: Anjo Negro obrigou o espírito da irmã de Diana a viver mil vidas como mulher, sempre tendo um final absurdamente trágico. Na última dessas encarnações, ela foi a órfã Donna Troy, a Moça-Maravilha.

Donna Troy é um capítulo à parte na mitologia da MulherMaravilha. A princípio, foi uma órfã humana salva, ainda bebê, pela Mulher-Maravilha, que a levou para a Ilha Paraíso. Depois, no primeiro “retcon” envolvendo a personagem, era órfã, sim, mas foi salva pelos Titãs da mitologia grega e levada a um planeta distante, onde foi criada como semideusa. Ao descobrir seu passado real, deixou a identidade de Moça-Maravilha (afinal, não tinha nada a ver com a Mulher-Maravilha) e assumiu o nome Troia.

Agora, com esse novo “retcon”, Donna Troy é uma das encarnações da gêmea mágica da princesa Diana, foi criada pelos Titãs, assumiu o nome de Moça-Maravilha, depois o nome de Troia, casou com Terry Long e teve um filho, Robert – ambos mortos prematuramente, é claro. Afinal, a maldição da Anjo Negro fazia com que ela estivesse destinada a ter uma vida trágica.

Em uma tacada só, Byrne uniu as histórias das Moças-Maravilha que envolviam a infância da princesa Diana; uma irmã para a princesa; e Donna Troy. Apesar do enredo um tanto confuso e cheio de reviravoltas, as mudanças foram bem aceitas e dali em diante seria aceito essa nova condição: a princesa Diana teve uma irmã gêmea e ela era Donna Troy.

O fim da era John Byrne

Nas histórias “Fragments” e “Rebirth”, publicadas em julho e agosto de 1998, e que marcam a saída do roteirista-desenhista John Byrne do título “Wonder Woman”, tudo se encaixa: a Anjo Negro e a outra vilã a quem estava aliada, Morgana Le Fey, são derrotadas. Donna Troy, a irmã gêmea da princesa Diana, é libertada da maldição e pode, pela primeira vez, viver uma vida livre.

O grupo que consegue derrotar Anjo Negro e Le Fey é formado pelos principais personagens destas 36 edições em que Byrne esteve à frente do título: a então Mulher-Maravilha (Hipólita); a Deusa da Verdade (Diana, que desobedeceu os deuses do Olimpo e desceu para ajudar seus amigos); Ártemis (a ex-Mulher-Maravilha, ainda impetuosa, mas mais ponderada); o Flash da Sociedade da Justiça (Jay Garrick, amigo de Hipólita); o Flash da Liga da Justiça e dos Novos Titãs (Wally West, amigo de Diana e Donna); a segunda Moça-Maravilha (Cassandra Sandsmark); a arqueóloga Helena Sandsmark, mãe da nova Moça-Maravilha; o mago Merlin, o demonologista Jason  Blood (alter-ego do anti-herói Demônio) e seu amigo Matthews; e o simpático policial Michael Schorr, que acompanhou Diana por toda a jornada escrita por Byrne (e, claro, se apaixonou por ela, como a maioria dos mortais – não que tenha sido correspondido).

Ao fim dessas histórias, a deusa Diana é expulsa do Olimpo por ter ajudado seus amigos mortais. Donna Troy, sua irmã gêmea, está livre para viver uma vida sem um fim necessariamente trágico. Entretanto, ela não é idêntica à Diana, pois está com o corpo de sua última encarnação: seu cabelo é liso e ela é um pouco mais baixa e magra, com 5,9 pés de altura (1,80 metros) e 143 libras (64,9 quilos).

Com Donna Troy viva, Diana de volta do Olimpo, Ártemis na ativa e Hipólita como a então Mulher-Maravilha, há quase um impasse… Quase, mas o título de Mulher-Maravilha volta para Diana, assim como o de Moça-Maravilha fica com a jovem Cassandra Sandsmark.

Donna volta a ser Troia e integrar os Titãs, assim como Diana vai para a Liga da Justiça e Hipólita divide-se entre ser a rainha das amazonas e lutar ao lado da Sociedade da Justiça – alguns dos seus amigos dos anos 40, ao lado de quem combateu na Segunda Guerra Mundial, ainda estão na ativa, treinando uma nova geração de super-heróis.

Ártemis volta a viver com as amazonas de Bana-Mighdall, que habitam a mesma ilha Themyscira das demais amazonas. Cassandra, mais tarde, seria membro fundador de um novo supergrupo da editora, a Justiça Jovem, formado por heróis da quarta geração – o terceiro Robin, Impulso (que viria a se tornar o quarto Flash) e Superboy, um clone do Superman.

Superman e Mulher-Maravilha… namorados? (parte 4)

Entra década, sai década… E o possível romance entre Superman e a Mulher-Maravilha volta à tona. Em “Action Comics” nº 761, de janeiro de 2000 (publicada no Brasil em “Superman” nº 3, editora Abril), Mulher-Maravilha e Superman vivem uma nova e íntima aventura juntos – quando Superman já era casado com a jornalista Lois Joanne Lane-Kent.

Na história “Coração de Aço”, os criadores Joe Kelly (roteiro) e German Garcia (desenhos) abusam da fantasia do gênero dos super-heróis e criam uma das piores histórias envolvendo dois dos maiores ícones da editora.

O enredo mostra Mulher-Maravilha e Superman sendo convocados por Thor (a versão da DC para o deus nórdico é ruiva e menos carismática que a versão da rival Marvel), para lutarem em Asgard.

Thor morre, deixando Superman e Mulher-Maravilha liderando as tropas. A guerra dura “quase mil anos”. Ou seja, Lois Lane já está morta há séculos. Na última noite antes da batalha final, um Superman ferido, cabeludo, barbudo e sem camisa, recebe, em seu leito improvisado, a MulherMaravilha para um beijo de boa noite. Há um momento de silêncio no ar, e é o kryptoniano, viúvo há quase um milênio, quem toma uma atitude:

“(Superman) – N-não posso, Diana. Parece tolice, não? Mesmo em outro mundo… Há um milênio no passado… Lois ainda é a única.

(Mulher-Maravilha) – Não é tolice. É correto… é um amor perfeito.

(Superman) – Obrigado, Diana… Por ser a minha melhor amiga. Eu te amo.

(Mulher-Maravilha) – E eu retribuo, Clark.”

Os dois vencem a batalha, e um Thor (que ressuscitou) oferece “o que quiserem” pela vitória. Eles desejam voltar à Terra, mil anos antes. E isso acontece, como num passe de mágica. A diferença é que Superman e a Mulher-Maravilha não são mais duas pessoas de pouco mais de 30 anos, mas de pouco mais de 1000 anos – o que é completamente desconsiderado por editores e roteiristas nas histórias seguintes. Ainda bem.

As capas de Adam Hughes

Pelos dois anos seguintes, a revista da Mulher-Maravilha não tem reviravoltas ou histórias tão significantes, exceto que, a partir da edição nº 139, de dezembro de 1998, um dos mais conceituados artistas da DC assumiu as capas da revista: Adam Hughes.

Famoso por desenhar com excelência, mas também por exagerar nas características femininas de suas personagens, Hughes botou nas capas uma nova imagem para a Mulher-Maravilha, que seguiu a linha adotada pelo brasileiro Deodato anos antes (o capista Brian Bolland, que trabalhava na época do paraibano, não levou para as capas toda a sensualidade que transbordava nas páginas internas). E a Mulher-Maravilha se tornou ainda mais sexy.

Seu sucesso como capista da DC foi tamanho que, em 2007, foi lançado um livro sobre as heroínas das capas da DC, escrito por Louise Simonson, e a capa escolhida para a edição foi justamente uma de Hughes para a MulherMaravilha. Mais: ele escreveu a introdução do livro, que começa assim:

“Estude a história do mundo, mergulhe em filosofia, psicologia e especializações, explore todas as inúmeras miríades da humanidade, e você irá descobrir que existe apenas uma Verdade. Uma inegável Verdade contra a qual não existe nenhum argumento, nenhum sutil aspecto de subjetividade que permita a existência de qualquer forma possível polar de pensamento. E a verdade é: o sexo vende. Peço desculpas se você estivesse esperando algo um pouco mais profundo.”

Embora o apelo sensual estivesse na capa das revistas, entretanto, ele não se refletia no conteúdo das histórias, que continuaram aventuras maniqueístas de super-heróis… até a virada do milênio.

Em 2001, um novo roteirista-desenhista, como John Byrne, chega: Phil Jimenez. Ele assume no nº 164, de janeiro de 2001, menos com a ideia de revolucionar e mais com o objetivo de homenagear os que vieram antes dele. Ou seja: nada de reinventar, revolucionar ou matar. Jimenez optou pelo caminho das boas histórias. O que não exclui a possibilidade, é claro, de casuais revoluções e afins.

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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