Dez anos é muito tempo, e esse período de tempo, entre 1990 e 2000, foi o bastante para revolucionar de forma diametralmente oposta a qualidade dos filmes inspirados por quadrinhos da Marvel e da DC Comics. Enquanto a Casa das Ideias entrou na década com péssimas adaptações, e saiu dando início ao caminho para o sucesso estrondoso que tem, hoje, nas telonas, a Distinta Concorrência fez o caminho inverso: foi do melhor ao pior que poderia oferecer.

Começando pela própria DC, a editora chegou aos anos 1990 em alta, graças à bem sucedida (comercialmente e em termos de resposta da crítica) adaptação dos quadrinhos do Homem-Morcego, Batman (1989). Dirigido por Tim Burton, o filme equilibrava bem a estrutura tradicional das histórias de ação e aventura do cinema norte-americano da última metade do século 20 e os principais alicerces da criação de Bob Kane e Bill Finger.

Batman (1989) acabou sendo uma grata surpresa e um necessário presente para a boa vontade do público nerd, que havia sofrido com a derrocada lamentável que o clássico Superman (1978) tinha visto nos anos 1980, com Superman III (1983) e Superman IV – Em Busca da Paz (1987). Mais sombrio, mais moderno, cool e estrelado (com Michael Keaton surpreendendo e Jack Nicholson fazendo jus às expectativas), o filme convidada a ideia de uma sequência. E ela chegou, em 1992.

Batman: O Retorno (1992) é o produto maturado e encorpado de Batman (1989); uma visão criativa mais clara de Burton, repleta de toques próprios do diretor que moldam ainda mais como uma nova realidade a história de Bruce Wayne que conhecemos nas páginas. Com um pinguim que é mais animal que homem (Danny DeVito, brilhante) e uma Mulher-Gato renascida dos mortos graças à alma de felinos de rua (Michelle Pfeiffer, magnética), o filme é um delírio gótico divertidíssimo, elaborado e atemporal, que permanece até hoje elegante e moderno.

É uma pena que a maior liberdade criativa e o maior orçamento, que deram a Burton a liberdade para deixar ainda mais adulta e sombria a sua visão da mitologia do Batman, também afastaram o produto final das ambições comerciais da Warner Bros. Batman: O Retorno é violento, por vezes sexual e em alguns pontos até cínico, o que distanciou o herói de um público mais familiar, atrapalhando a venda de brinquedos e outros produtos licenciados. A resposta veio por meio das famosas “diferenças criativas”, que impediram um terceiro filme pelas mãos de Burton e deram início ao fim dessa fase do Homem-Morcego nos cinemas.

Sim, porque, para manter o morcego voando, a Warner incumbiu Joel Schumacher de assumir as câmeras. Primeiro, veio Batman Eternamente, uma mistura de referências tiradas de quadrinhos mais adultos do Homem-Morcego, como Batman: Ano Um e Batman: O Cavaleiro das Trevas, com um colorido sonho febril. Val Kilmer deu vida a um Bruce Wayne sem carisma, enquanto Jim Carrey roubou a cena como um Charada que era mais Coringa que qualquer coisa. Tommy Lee Jones surgiu como Duas-Caras e Chris O’Donnel como uma tentativa do Robin Dick Grayson, mas o resultado foi um filme tão ruim quanto divertido. Ao menos isso.

O fim da dignidade do Batman no cinema (e, por tabela, da DC), veio com Batman & Robin, com George Clooney assumindo o manto do Cruzado Encapuzado sem levar absolutamente nada a sério, em um filme que tenta abraçar a breguice do Batman de Adam West, nos anos 1960, mas sem a desculpa de fazer sentido para a sua época. Mamilos nas roupas de borracha, bat-cartão de crédito, Bane burro e outras bizarrices são só uma parte do que compõe a ruindade de um filme que fez com que, por oito anos, nada mais relacionado ao personagem aparecesse nas telonas.

De quebra, a DC ainda viu um de seus personagens mais obscuros, à época, ganhar uma triste adaptação: Aço (1997), com o jogador de basquete Shaquille O’Neal, reimaginava o personagem homônimo da saga A Morte do Superman sem qualquer ligação com o Homem de Aço. É uma peça importante da história dos filmes de super-herói, já que trouxe protagonismo a um homem negro ainda no século passsado, mas é um filme indigno até de ser exibido na Sessão da Tarde, sofrendo com um baixíssimo orçamento e com a falta de maiores habilidades artísticas do protagonista.

Do outro lado, a Marvel permanecia imbatível no que dizia respeito a terríveis adaptações até o início do anos 1990, com Capitão América (1944), Howard, o Pato (1986) e O Justiceiro (1989) sendo exemplos pífios de transposição dos personagens a uma nova mídia. Com a entrada em uma nova década, pouco mudou: uma nova aventura do Capitão América (1990) parecia só confirmar a desesperança dos fãs da Casa das Ideias em qualquer filme inspirado pelos tão amados quadrinhos da editora.

Nessa nova versão da história de Steve Rogers, o tradicional vilão Caveira Vermelha era um mafioso italiano. A produção, uma parceria entre os EUA e a Iugoslávia, via o herói passar mais tempo em solo europeu do que no país cuja bandeira carrega no uniforme, e o intérprete do personagem, Matt Salinger (filho do lendário escritor J. D. Salinger), rivalizava com o escudo em termos de expressividade. Considerado um filme desprovido de “roteiro, orçamento, direção ou estrelas” pela crítica especializada, foi uma bomba e tanto. Mas nada pior do que o que veio depois.

Até hoje sem uma adaptação cinematográfica decente, O Quarteto Fantástico (1994) lançou o tortuoso caminho da mais famosa família da Marvel nos filmes, mas sem sequer ter sido lançado. O filme foi produzido com o único propósito de fazer com que os direitos sobre uma adaptação dos quadrinhos permanecessem, à época, com a produtora Constantin Films. A ideia era fazer um filme de baixo orçamento e cumprir o contrato, mas sem nem precisar vender o filme.

Para isso, o estúdio se encarregou de contratar Roger Corman, célebre produtor de filmes B, que prometeu entregar uma história do Quarteto Fantástico que custasse apenas US$ 1 milhão. O resultado foi um filme cujo ponto alto é a armadura do Doutor Destino e olhe lá, mal finalizado e escondido, mas que viu a luz do dia graças à equipe insatisfeita que deu suor, sangue e lágrimas para fazer um filme, sem saber que ele nunca seria lançado. Vazado, virou um ícone dos filmes ruins, além de uma história mítica da cultura pop. Mas é um filme horroroso, não se engane.

A redenção da Marvel Comics nos cinemas veio, inesperadamente, com um filme sombrio, que equilibrava terror e ação, protagonizado por um homem negro cuja persona artística rivalizava com o tamanho do personagem que vivia: Blade (1998) se valeu do carisma crescente de Wesley Snipes, além de um roteiro que levava a sério o personagem e o público que buscava atingir, para entregar um filme que, até hoje, entretém e fascina com capacidade.

Mais do que isso, o sucesso em críticas e bilheteria de Blade (que garantiu outros dois filmes) foi o que deu confiança aos estúdios para investirem em propriedades que eles já tinham ou poderiam adquirir. O início da década seguinte veio com X-Men (2000) e Homem-Aranha (2002), e logo a própria Marvel decidiu fazer filmes com Homem de Ferro (2008), dando início ao universo vasto e rico de história que hoje conhecemos como MCU (após venda para a Disney, veja só).

Enquanto isso, a DC voltou acertar com Batman Begins (2005), dando início a uma poderosa trilogia, mas patinando com outros heróis e adaptações. Até hoje, a Distinta Concorrência ainda pena para manter o nível de filmes como Mulher-Maravilha (2017) e Aquaman (2018), em meio a tristezas como Batman vs. Superman (2016) e Esquadrão Suicida (2016).

Dito tudo isso, eu, o jornalista Lello Lopes e o idealizador, proprietário e editor-chefe do Hábito de Quadrinhos, Pedro Cirne, discutimos algumas das bombas que citei aqui (e outras) da Marvel no episódio mais recente do podcast Cinema de Segunda, que convido você a ouvir para saber mais curiosidades e megulhar em mais polêmicas. Em breve, um episódio dedicado à DC Comics estará no ar, e voltarei a lembrar dele por aqui.

Please follow and like us: