A primeira vez em que ouvi falar da japonesa Kuniko Tsurita (1947-85), seu nome veio acompanhado de uma expressão interessante: “madrinha do mangá experimental”. Ela era inédita no Brasil, e marquei seu nome numa planilha de quadrinhos para ir atrás.
A minha espera acabou. A editora Veneta acaba de publicar mais de 500 páginas da autora na coletânea “A Tragédia da Princesa Rokunomiya” (tradução de Alice Nogami). Ela foi a primeira mulher a publicar na “Garo”, conhecida por seu conteúdo adulto e/ou experiental, e fez jus à sua presença na revista.
As histórias de Tsutira não seguem uma fórmula fixa. Podem conter histórias convencionais, como curtas HQs de humor, ou testar os limites dos quadrinhos, desafiando o exercício da leitura. Os temas variam, mas vão de questionar o papel da mulher na sociedade e questionar a cobiça humana a… questões mais individuais, como ela não ter dinheiro para pagar a quem deve.
Tsurita não é mais inédita no Brasil. A ver agora, daqui a umas centenas de páginas de leitura, o que é esse experimentalismo nos mangás que ela criou e como essas histórias se encaixam no mundo de hoje.
ps – Abaixo, a sinopse da editora:
“Numa época em que as artistas mulheres eram minoria até nos gibis dirigidos ao público feminino, surgiu Kuniko Tsurita quebrando regras, rompendo tabus e tornando-se a primeira mulher a publicar regularmente na legendária Garo, a revista que liderou os mangás de vanguarda no Japão. Tsurita não apenas foi aquela que melhor retratou a cena underground do Japão dos anos 1960, mas também uma pioneira que, por exemplo, ousou a retratar amores explicitamente lésbicos.
Misturando influências da literatura francesa (Sade, Jean Genet, Le Clésio, Céline, Camus…) com outras das artes plásticas (Dürer, Käthe Kollwitz, Aubrey Beardsley, Goya…) e o psicodelismo de artistas como Tadanori Yokoo e Aquirax Uno, os quadrinhos de Tsurita são de tirar o fôlego, impressionantes em sua ousadia e beleza.
A Tragédia da Princesa Rokunomiya é uma ampla coletânea que reúne desde as primeiras histórias publicadas na Garo até a última, Flight, que, entre outras coisas, fala de voar sobre a floresta amazônica. A edição conta inclusive com um texto de Naoyuki Takahashi, viúvo de Tsurita, a respeito do interesse que a artista tinha pelo Brasil.”