Olá! Estamos publicando um especial em dez posts contando a mitologia da maior super-heroína dos quadrinhos (pelo menos, para mim): o Dossiê Mulher-Maravilha.

Ontem, falamos dos curiosos anos 40 e 50. Hoje, abordaremos a primeira grande reformulação da personagem, com direito a uma nova origem, publicada em 1959, de personagens curiosos (Neném-Maravilha!) e da entrada no maior supergrupo da DC, a Liga da Justiça.

Amanhã, falaremos da controversa “Era I-Ching”.

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“Safo sofredora! Como eu posso me transformar em MulherMaravilha com Steve por perto?”

(Mulher-Maravilha, em sua identidade como Diana Prince, mostrando que além de se preocupar em salvar inocentes, também deve preservar sua identidade secreta; o Steve em questão é seu amado Steve Trevor, alçado a protagonista de muitas histórias a partir de 1958)

A Mulher-Maravilha não é mais a mesma

Primeiro quadro, primeira página: duas Mulheres-Maravilha, idênticas, lutam entre si sobre uma fina corda, a muitos metros de altura. Não dá para saber qual delas é a verdadeira princesa Diana, ou mesmo se ambas são falsas, nem a razão pela qual estão lutando. Ambas estão nitidamente desequilibradas.

A Mulher-Maravilha, a essa altura, já é um dos principais personagens da editora DC Comics. Estamos em maio de 1958, e esta ilustração, com duas Mulheres-Maravilha lutando entre si, abre “Wonder Woman” nº 98. Há duas razões para esta ilustração: uma, dentro da história. Outra, mais metafórica, fora dela.

A história é simples: trata-se de uma apresentação da Mulher-Maravilha. Reapresentação, na verdade. A primeira história da personagem, de 1941, escrita por William Moulton Marston e ilustrada por Harry G. Peter, introduzia a heroína.

Na história, as amazonas viviam à parte da humanidade, em uma ilha tão isolada quanto avançada na América Central. E o que mudou tudo, o acontecimento que fez com que as amazonas revissem seu exílio e decidissem enviar uma representante para o mundo dos homens, foi a queda de um avião do Exército norte-americano na Ilha Paraíso, onde viviam. Dentro dele estava um homem, o piloto Steve Trevor.

A rainha amazona consulta Afrodite e Atena sobre o que fazer, alheia ao que se passa no “mundo dos homens”: a Segunda Guerra Mundial. E as deusas afirmam que o mundo inteiro está sob ameaça do ódio e da opressão (o nazismo), e que ela deve escolher a mais forte e sábia entre as amazonas para a América, “última fortaleza da democracia”, e ajudá-la na guerra.

Assim, é realizado um torneio de força e habilidade com vinte e uma provas. A vencedora é Diana, princesa e filha de Hipólita. Ela recebe o título de Mulher-Maravilha, um uniforme inspirado nas cores da bandeira da nação que defende a democracia, os Estados Unidos, e parte para sua missão de difundir o amor.

Diana se muda para o “mundo dos homens” no dia 4 de setembro. Uma vez nos Estados Unidos, compra a identidade de uma enfermeira, Diana Prince. Com seu novo alter ego, consegue um emprego no Exército norte-americano como secretária para ficar perto de Steve Trevor, seu amor platônico.

O militar, por sua vez, tem olhos apenas para a Mulher-Maravilha, a quem chama de “anjo”. Pela lei das amazonas, a heroína não pode se casar, o que a faz estar sempre postergando um relacionamento sério com Trevor. Em primeiro lugar, salvar o mundo. Depois, se a sua missão estiver cumprida, pode pensar em seu amor.

Mas tudo isso mudou a partir de “Wonder Woman” nº 98. Embora as histórias não fossem creditadas, o roteiro é atribuído a Robert Kanigher e os desenhos, a Ross Andru. Sem alarde, sem estardalhaço, uma nova “introdução” da Mulher-Maravilha foi feita, com pequenas mudanças.

Essa é a razão metafórica para o duelo das Mulheres-Maravilha na capa: havia uma nova Mulher-Maravilha surgindo. Uma nova personagem, para um outro tempo, 17 anos depois do surgimento da Mulher-Maravilha, mas agora sem Segunda Guerra Mundial, e com o gênero dos super-heróis definitivamente consolidado, e não mais uma experimentação.

A Mulher-Maravilha não é mais a mesma?

A um primeiro olhar, foram poucas mudanças. Mas uma, em particular, é bastante significativa: as histórias não se passam mais durante a Segunda Guerra Mundial. As aventuras são contemporâneas, ou seja, de 1958 em diante.

Com isso, perde o sentido o fato de a ascensão do nazismo ter feito com que Afrodite e Atena pedissem à rainha das amazonas que enviasse uma “mulher-maravilha” para ajudar os Aliados durante a Segunda Guerra.

O novo motivo por trás de tudo é um presságio. A rainha Hipólita recebe, durante um sonho, um recado de Afrodite:

“Hipólita!… Chegou a hora de você escolher a maior dentre as amazonas! Você deve enviá-la para o mundo dos homens em uma missão: batalhar contra o crime e a injustiça – e ajudar as pessoas angustiadas! Só quando os serviços dela não forem mais necessários ela, poderá pensar nela mesma!”

A rainha das amazonas e mãe da Mulher-Maravilha aparece diferente a partir desta história. Hipólita, tão linda quanto a filha e quase idêntica a ela, exceto pelo penteado e as roupas, mas que não envelhecia, embora comemorasse seu aniversário em 8 de janeiro, agora era… loira (e seu aniversário passou a ser em 18 de maio, segundo “Wonder Woman” nº 131, de 1962; a data original de seu nascimento foi divulgada muitos anos depois, apenas em 1976, quando a DC lançou o “Super DC Calendar”).

Não que fizesse muita diferença no contexto. Apenas, talvez, facilitasse a identificação das personagens pelo leitor.

Enfim, a loira Hipólita revelou a seu povo o sonho que teve. Como todas as amazonas são nobres e altruístas, elas se ofereceram para a missão e ainda protestaram: a rainha, como mãe, poderia preterir a melhor amazona em prol de sua filha, Diana. Era necessário pensar em uma maneira de evitar isso.

A princesa Diana, por sua vez, também passou por sua cota de mudanças, embora não tão drásticas. A data de nascimento continua a mesma, 22 de março, mas fisicamente ela é outra: mais alta e encorpada, não faz mais o tipo mulher inocente descobrindo o mundo. É, antes mesmo de ir para o “mundo dos homens”, uma mulher forte e decidida, corajosa e inteligente.

E é a princesa quem dá a solução de como escolher a melhor amazona. Assim, é criado um desafio que conta não mais com vinte e uma provas, mas apenas três. E todas as amazonas agora competem, não mascaradas como mandava sua tradição, mas todas fantasiadas como a própria Diana.

Ao final de duas provas (cabo-de-guerra e descer uma correnteza sobre troncos de madeira, com direito a uma cachoeira), apenas duas candidatas sobram. E elas devem lutar entre si, sobre uma corda, equilibrando-se a metros e metros de altura, para definir a vencedora.

Esta é a cena que abre “Wonder Woman” nº 98. Bem ao estilo das histórias de super-heróis da época, a revista abre com o momento de maior tensão da história. Depois, um flashback enorme situa o leitor do que está acontecendo. Por fim, claro, a conclusão: neste caso, a princesa Diana vence sua colega, e é eleita a Mulher-Maravilha, a amazona com a nobre missão de combater o crime e a injustiça e a ajudar as pessoas em agonia.

No final das contas, não houve uma mudança tão drástica na personagem. Um pouco mais alta e atraente, e deslocada da Segunda Guerra Mundial para o final dos anos 50, a nova Mulher-Maravilha era, em essência, a mesma. Mas o teor das suas histórias, esse sim foi modificado com o passar de quase duas décadas.

Steve Trevor

A relação com Steve Trevor é aprofundada na Era de Prata. Ele se torna coprotagonista das histórias da Mulher-Maravilha. Há uma piada entre os fãs do Batman que dizia que o Robin, quando surgiu, não era o Menino-Prodígio, como viria a ficar conhecido, mas o Menino-Refém: edição após edição, era sequestrado por um criminoso mascarado, cabendo ao Batman a tarefa de salvá-lo. Trevor era o “Menino-Refém” da Mulher-Maravilha.

O Militar parecia sempre desprezar a tenente Diana Prince, alter ego da princesa, e a deixava de lado de missões com frases como “sinto muito, mas vou sozinho: isso é trabalho para um homem”. Invariavelmente, acabava se metendo em uma enrascada e só escapava de morrer após uma intervenção da própria Diana Prince – na forma de Mulher-Maravilha, é claro.

Juntos, Trevor e a Mulher-Maravilha passam por dezenas de aventuras, não necessariamente na Terra. Em uma aventura de 1959, viajam a Titã, um dos satélites de Saturno, onde os dinossauros pré-históricos ainda existem, bem como os homens das cavernas.

Em novembro de 1958, um ser poderoso de outra dimensão vai invadir a Terra a menos que Trevor identifique a verdadeira MulherMaravilha no meio de duas sósias idênticas. Ele consegue, mas só após beijar as três, e a invasão é cancelada. A premissa desta história é mais inocente do que as da Era de Ouro, ou seja, pré-“Sedução dos Inocentes”, e também mostra como o clima “histórias de guerra” ficou para trás com a chegada da ficção científica ao gênero dos super-heróis.

A ficção científica continua orbitando o romance da heroína com o militar. Em fevereiro de 1959, eles viajam a Marte e Plutão para impedir um ataque alienígena à Terra, em um dos poucos confrontos desse momento da Era de Prata da Mulher-Maravilha contra um típico super-vilão: o marciano Duke of Deception, personagem criado por William Moulton Marston e Harry G. Peter na distante “Wonder Woman” nº 2 (outono de 1942/primavera no Brasil). 

Se, de 1948 a 1951, Trevor pede a Mulher-Maravilha em casamento em cinco ocasiões, em setembro de 1962, após ouvir mais um “não”, ele desiste: “Eu estou cansado de esperar você se decidir! Eu já tive o bastante! Adeus!”. Nesta mesma história, o militar se encanta por outra misteriosa beldade, Miss X. Esta nova garota em sua vida o faz refletir sobre si mesmo, e ele conclui que o grande amor de sua vida é a Mulher-Maravilha, o que faz com que ele deixe Miss X de lado – sem descobrir que ela é, claro, a própria Mulher-Maravilha. Se ele nunca desconfiou de Diana Prince, com quem convivia diariamente, por que suspeitaria da Miss X?

E, assim, seguiram-se as inocentes histórias em que o amor entre Trevor e Diana mantinham-nos sempre unidos, mas nunca casados, tal qual Kit Walker (Fantasma) e Diana Palmer, Clark Kent (Superman) e Lois Lane, e Mandrake e a princesa Narda. Só décadas depois esses casamentos se consumariam: Fantasma e Diana Palmer-Walker em 1978; Superman e Lois Joanne Lane-Kent em 1996; e Mandrake e Narda Mandrake em 1998. E quando Trevor e Diana se casaram?

Bem, não durante a Era de Prata dos quadrinhos. Neste período de inocência redobrada, o namoro eterno deles continuou… eterno. E, logo no início da fase seguinte da personagem, a Era I Ching (veja o post de amanhã), Trevor é assassinado, o que acaba definitivamente com a possibilidade de casamento deles.

Ou não? Afinal, a Mulher-Maravilha é uma personagem de histórias em quadrinhos, e, nas hqs, tudo pode acontecer. Inclusive homens normais voltarem da morte.

Mesma origem, novos detalhes

Em abril de 1959, as mentes por trás das histórias (o editor e roteirista Robert Kanigher, o desenhista Ross Andru e o arte-finalista Mike Espósito) resolveram revisitar a origem da Mulher-Maravilha. Um ano antes, na edição 98, já ficava claro que aquela Mulher-Maravilha, mais alta e magra e filha de uma Hipólita loira, não tinha exatamente o mesmo histórico da personagem mais baixinha e menos poderosa que havia enfrentado os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Em essência, era a mesma. Mas os detalhes haviam mudado. Por isso foi publicada “The Secret Origin of Wonder Woman!” (A Origem Secreta da Mulher-Maravilha!).

As amazonas ainda tinham origem grega, e era aos deuses do Monte Olimpo que elas rezavam. Sua diáspora rumo à América Central, onde ficava a Ilha Paraíso (e onde nasceria a princesa Diana, futura Mulher-Maravilha), porém, não acontecia mais em virtude de uma derrota nas mãos do traiçoeiro Hércules, com a ajuda providencial de Afrodite.

Agora, tudo começa com a rainha Hipólita recebendo a visita da deusa Afrodite. Uma vez que a rainha amazona havia realizado façanhas em nome da justiça, a deusa da beleza e do amor resolveu abençoar sua filha, a recém-nascida Diana (que agora nasceu na Grécia Antiga, e não na Ilha Paraíso), com a “beleza da bondade”.

Outros três deuses também aparecem para presentear o bebê com dons divinos: Atena lhe dá a sabedoria dos planetas; Mercúrio, velocidade; e Hércules, que não era mais um inimigo, mas um amigo, concede força sobre-humana à filha da rainha Hipólita.

Assim que os deuses vão embora, a rainha Hipólita olha para a sua filha e diz, com orgulho: “Bonita como Afrodite, sábia como Atena, mais rápida que Mercúrio e mais forte que Hércules – você se transformará em uma maravilha, pequena!”. Essa frase é uma homenagem a William Moulton Marston e à Era de Ouro, já que a página de apresentação das hqs dos primeiros anos da personagem traziam quase sempre como introdução, com pequenas alterações, o texto: “Com a beleza de Afrodite, a sabedoria de Atena, a força de Hércules e a velocidade de Mercúrio (…)”. Na Era de Ouro, ela não tinha, literalmente, a força de Hércules e a velocidade de Mercúrio, embora fosse mais forte e veloz que os humanos, por ser amazona. Agora, com esta história, passou a ter.

Da história original, do início dos anos 40, quando apenas duas deusas (justamente Afrodite e Atena) participaram ativamente da criação da princesa Diana, agora, quase duas décadas depois, participaram dois deuses – e masculinos, o que já demonstrava que a preocupação em opor “mulher, amor e bondade” aos antagônicos “homem, guerra e maldade” não era mais uma preocupação editorial.

Anos depois, todos os maridos das amazonas são mortos em uma guerra. Desesperadas e desamparadas, elas decidem fugir. A princesa Diana, com seus talentos tão superiores aos de suas irmãs amazonas, constrói sozinha um barco, e as amazonas fogem sem destino, em busca de um novo lugar para chamar de lar.

É deixado de lado o lado trágico da traição e da derrota pelas mãos de Hércules. Não há mais um vilão personificado: a guerra, em si, já é o “Mal”. E as amazonas, não mais guiadas por Afrodite, mas seguindo o próprio instinto, atravessam o oceano Atlântico e encontram uma ilha misteriosa e de dificílimo acesso, na qual não chegariam se não fosse pelos dons divinos da princesa Diana.

Uma vez lá, batizam a nova terra de Ilha Paraíso, e são informadas por Atena que, durante a viagem, elas atravessaram as Névoas da Juventude Eterna, e que serão jovens e imortais para sempre, contanto que não deixem a Ilha.

A exceção é a pré-adolescente princesa Diana, que continuará a crescer até se tornar mulher, quando deixará de envelhecer – a menos que deixe a Ilha Paraíso, condição imposta a todas as amazonas.

Perde-se, aqui, o sentido social do isolamento imposto às amazonas. Antes, elas ficaram isoladas em uma ilha distante e inacessível como forma de deixar para trás a guerra e reverenciar o amor e o modo de vida feminino. Era isso que as impedia de voltar ao “mundo dos homens”. Agora, entretanto, o exílio torna-se uma condição para sua juventude eterna e imortal. Não se trata mais de trocar a guerra pelo amor, ou o “Mal” pelo “Bem”. Virou uma questão de sobrevivência menos planejada (abdicaram da guerra) do que imposta pelo destino (já que, sem saber, passaram pelas Névoas da Juventude Eterna, e agora não podem mais retornar).

Outra diferença: com esta nova origem, a Mulher-Maravilha já é, desde criança, mais forte e ágil que suas compatriotas. Afinal, ela é a única que recebeu dons divinos ainda bebê, o que culminaria em uma Mulher-Maravilha – e, antes disso, em uma Moça-Maravilha.

Novidade: a Moça-Maravilha

A mudança mais significativa nas histórias da Mulher-Maravilha durante a Era de Prata foi a criação da Moça-Maravilha. Não se trata, como pode parecer, de outra personagem – anos depois, de fato surgiriam outras Moças-Maravilha, mas isso é mais adiante. A Moça-Maravilha destas histórias é a mesma princesa Diana, mas pré-adolescente, antes mesmo de ela se tornar a Mulher-Maravilha – Moça-Maravilha, aliás, não é seu codinome, mas um apelido, justamente pelos dons divinos que a distingue das demais amazonas.

A ideia de personagens adolescentes é frequente no mundo dos super-heróis. Esses parceiros mirins são cohecidos como “sidekicks”. Batman ganhou o parceiro Robin em 1940; o Capitão América tinha Bucky ao seu lado desde sua primeira história, em 1941; do mesmo modo, o Arqueiro Verde já tinha, desde o início, seu parceiro mirim Speedy (traduzido no Brasil como Ricardito).

Para a Mulher-Maravilha, isso era um pouco mais difícil. Afinal, ela era uma personagem exilada, longe de sua terra natal, a única amazona no mundo dos homens. A solução foi algo na linha “Moça-Maravilha – as histórias da Mulher-Maravilha na época em que era uma adolescente”.

A primeira aparição desta versão da personagem aconteceu em “The Secret Origin of Wonder Woman!” (A Origem Secreta da Mulher-Maravilha), de abril de 1959 (“Wonder Woman” nº 105), cujo subtítulo era “a Wonder Girl story” (uma história da Moça-Maravilha). Foi uma das duas hqs desta edição, mas sem destaque na capa: uma estreia cautelosa para testar a reação dos leitores. No último quadrinho, uma mensagem: “E, de tempos em tempos, nós o convidaremos para outros contos de tirar o fôlego com aventuras da única Moça-Maravilha!”.

Na edição seguinte, nova aventura da Moça-Maravilha, novamente sem menção na capa. Só no nº 107 de “Wonder Woman”, pela primeira vez, a Moça-Maravilha estava lá: magra, pequena, cabelo preso com um rabo-de-cavalo, mas já com uma camiseta com uma águia estampada no peito e uma saia com as estrelas da bandeira norte-americana. Na história, a explicação para o fato de ela, jovem, já usar roupas com motivos do uniforme que ela só ganharia quando adulta.

A jovem Diana assistia, na televisão espaço-temporal do laboratório das amazonas, às aventuras que viria a viver já adulta. Então, ela pede à mãe para usar desde já seu futuro uniforme. Hipólita responde que a Mulher-Maravilha fez por merecer aquele traje após realizar feitos formidáveis. A rainha decide, então, pedir às amazonas que desenhem esboços para o uniforme da Moça-Maravilha e, além disso, proponham tarefas de difícil realização para que Diana as supere e, assim, conquiste o direito de usar o uniforme.

As amazonas enviam, anônimas, as sugestões das tarefas. As três mais difíceis são escolhidas – sugeridas pela própria princesa Diana. Ela, então, consegue penetrar em uma “ostra canibal”, onde estão as estrelas brancas que adornarão sua saia azul. Depois, deve buscar seu laço mágico na cratera da ilha Volcano, um gigantesco vulão. Por fim, deve ir ao ninho de um roc, espécie de gigantesco pássaro que se alimenta de carne humana, onde está a águia que usará como emblema sobre seu peito.10

As três tarefas da jovem Diana já mostram uma grande diferença em relação às aventuras de sua versão adulta: são mais voltadas para a mitologia – animais e desafios típicos de lendas e fábulas, enquanto a Mulher-Maravilha mais velha enfrenta seres de outros planetas e dimensões em ritmo de ficção científica. Não à toa, o coadjuvante masculino de sua fase adolescente não é um humano (ela ainda não havia deixado a Ilha Paraíso) ou um alienígena, mas um menino metade humano, metade peixe: o rapaz-sereia Ronno.

As aventuras da Moça-Maravilha fazem sucesso: das oito edições de 1960 de “Wonder Woman”, quatro são com a personagem-título na capa e quatro com a Moça-Maravilha.

A Era de Prata

É difícil precisar quando começou a Era de Prata dos Quadrinhos dos Super-Heróis, mas o fato é que a DC e a Marvel, as duas maiores editoras do gênero no fim dos anos 50 e início dos anos 60, passaram por mudanças exatamente neste período.

A Marvel tece Stan Lee e Jack Kirby criando personagens basilares da editora de 1961 a 1964: Quarteto Fantástico (novembro de 1961), Hulk (maio de 1962), Homem-Aranha (agosto de 1962, mas com Steve Ditko, e não Kirby, desenhando), Homem de Ferro (março de 1963, acompanhados de Don Heck e Larry Lieber), Thor (agosto de 1962), X-Men (setembro de 1963), e Vingadores (setembro de 1963). Uma nova geração de personagens, e especialmente de leitores, formou-se a partir dali.

A DC Comics, por sua vez, recriou alguns de seus personagens, aproveitando o nome e os poderes (quase sempre), mas mudando os conceitos. Assim, o Lanterna Verde dos anos 40 era Alan Scott, um homem que achou uma lanterna mágica no metrô e se tornou praticamente invencível.  Uma espécie de Aladim moderno, mas o intermediário de seu poder, em vez de um gênio que saía da lâmpada, era um anel que ele carregava no dedo e que tinha de ser “recarregado” na mesma lâmpada.

Quando surgiu a nova versão dos anos 60, o Lanterna Verde anterior passou a ser ignorado. O novo (e único) Lanterna Verde era Hal Jordan, um piloto escolhido por uma raça alienígena chamada Guardiões do Universo para se tornar uma espécie de “patrulheiro interplanetário”, pertencente a uma equipe chamada Tropa dos Lanternas Verdes.

O mesmo aconteceu com a maior parte dos personagens da Era de Ouro: recriações. O Átomo da Era de Prata, com seu uniforme azul e vermelho e sua capacidade de diminuir de tamanho, era diferente do Átomo da Era de Ouro. No Brasil, inclusive, os tradutores deram nomes diferentes para este personagens, mesmo que nos Estados Unidos fosse o mesmo. Assim, no Brasil, Hawkman virou Falcão da Noite (o da Era de Ouro) e Gavião Negro (Era de Prata); Joel Ciclone (Flash da Era de Ouro) e Flash (Flash da Era de Prata); Átomo (Atom da Era de Ouro) e Eléktron (Atom da Era de Prata); Moça-Falcão (Hawkgirl da Era de Ouro) e Mulher-Gavião (Hawkgirl da Era de Prata).

E a Mulher-Maravilha? Ela, assim como Batman e Superman, não sofreu  alterações conceituais. Sua história simplesmente foi recontada do zero, ignorando as histórias anteriores – sua participação na Sociedade da Justiça, inclusive. Tudo foi desconsiderado a partir de “Wonder Woman” nº 98, aquela citada no início deste capítulo, que tinha duas mulheres-maravilha lutando na capa.

E se os super-heróis principais da DC estavam sendo recriados, ou reinterpretados, por que não fazer o mesmo com sua superequipe, a Sociedade da Justiça? Sim, ela ressurgiria, mas com mudanças. E a Mulher-Maravilha estaria envolvida.

A Liga da Justiça

As novas versões de Lanterna Verde e Flash iam bem nas vendas. Eram personagens interessantes, com uniformes, poderes e histórias cativantes. Batman, Mulher-Maravilha e Superman também iam bem. Por que não recriar a Sociedade da Justiça e reaproveitá-los?

Julius Schwartz, o editor responsável pelas novas versões de Joel Ciclone/ Flash, Átomo/Eléktron, Falcão da Noite/Gavião Negro e Lanterna Verde, resolveu resgatar a equipe. Mas achava o nome Sociedade da Justiça da América muito “arrogante”. Optou por “league” (liga), um nome que, segundo ele, lembrava esportes, com toda a noção de democracia e jogo limpo que vinha junto. Assim, a Liga da Justiça da América (“Justice League of America”) surgiu na edição de março da revista “The Brave and the Bold” (nº 28).

Sete super-heróis foram selecionados para o grupo: Batman, Superman, Lanterna Verde, Mulher-Maravilha, Flash, Aquaman e Caçador de Marte (também conhecido no Brasil como Ajax). O grupo fez sucesso e a revista surgiu no mesmo ano, com o primeiro número sendo referente a outubro-novembro de 1960.

Assim como nas histórias da Sociedade da Justiça dos anos 40, Batman e Superman não figuravam nas capas – só começaram a aparecer com frequência a partir do nº 21. A Mulher-Maravilha, por outro lado, apareceu na capa em todas as 25 primeiras edições e depois, mesmo que não fosse mais presença obrigatória, tinha aparições frequentes na capa da revista.

A origem da Liga da Justiça só seria contada na nona edição da revista, em fevereiro de 1962. Lá, narra-se que alienígenas de um mundo distante, Appellax, estão à beira de uma guerra civil após a morte de seu líder. Sete pretendentes à sucessão teriam de guerrear entre si. Entretanto, por que causar destruição e morte em seu próprio planeta se você pode devastar um planeta alheio? Assim, os sete viajam à Terra, onde chegam separadamente e começam a preparar terreno para a luta.

Cinco alienígenas chegam e são derrotados por cinco heróis: Aquaman, Caçador de Marte, Flash e Mulher-Maravilha. Os cinco acabam se encontrando, por acaso, ao tentar deter o sexto appellaxiano. Entretanto, o poderoso alienígena os transforma em árvores. Combinando seus poderes, os heróis detêm o appellaxiano e vão à Antártida deter o sétimo e último alienígena, que está sendo combatido por Batman e Superman.

Após a vitória, os sete heróis decidem se juntar em um grupo: a Liga da Justiça da América. Juntos, eles passaram a enfrentar supervilões – no princípio, apenas conquistadores alienígenas, como Starro (do planeta), Mestre das Armas, Despero (de Kalanor) e Kanjar Ro (de Dhor), mas depois (e em menor quantidade), humanos, como o Professor Ivo e Amos Fortune.

A Mulher-Maravilha é um dos membros mais fortes do grupo e, diferentemente do tempo em que pertencia à Sociedade da Justiça, não era mais tratada como secretária. Um sinal da mudança dos tempos, assim como os palcos das aventuras terem mudado da Europa e dos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial, para planetas e dimensões distantes.

A Família Maravilha

Com o advento da Liga da Justiça, a Mulher-Maravilha voltou a aparecer em mais de dez capas por anos pela primeira vez desde 1951. Até 1960, quando a Liga surgiu, foram, no máximo, oito aparições em capas por ano. Já em 1960, esse número subiu para Treze – e só voltaria a ficar abaixo de dez em 1970, auge da Era I-Ching (Ver capítulo 5), quando figurou em apenas oito capas.

Neste início dos anos 60, a Mulher-Maravilha já era uma super-heroína consolidada, com sua mitologia formada – coadjuvantes, expressões, uniformes e poderes bem estabelecidos. Mas isso não impediu a equipe criativa da revista “Wonder Woman”, formada pelo experiente roteirista Robert Kanigher e pelo desenhista Ross Andru, de continuar experimentando.

Desde 1958, quando surgiu aquela que seria conhecida como a MulherMaravilha da Era de Prata (mas que era, em essência, a mesma personagem, apenas com a origem recontada), o lado da Ilha Paraíso passou a ter mais peso nas histórias. A Moça-Maravilha surgiu em julho de 1959; nesta mesma história, surge o coadjuvante Mer-Boy (um tipo de sereia masculino, que seria o interesse romântico da Mulher-Maravilha em seus tempos de MoçaMaravilha); em maio de 1961, surge a Wonder Tot (Bebê-Maravilha): são as aventuras da Mulher-Maravilha quando ela era… bebê.

Mer-Boy ganha espaço na mitologia da personagem. Em 1961, aparece em 4 das 8 capas de “Wonder Woman” do ano. A princípio personagem coadjuvante apenas das histórias da Moça-Maravilha, uma versão masculina sua (batizada Merman) aparece em novembro de 1960 para se tornar o rival de Steve Trevor na disputa pelo coração da Mulher-Maravilha. Curiosidade: os artistas não conseguem padronizar seu nome real, que aparece como Ronno, Renno, Manno ou Merman, dependendo da edição.

A tensão romântica entre a jovem Moça-Maravilha e o também jovem Mer-Boy teve boa repercussão entre o público – e entre os editores, que passaram a investir mais na questão do “amor adolescente”. Tanto que surgiram não um, mas dois rivais amorosos para Mer-Boy: Bird-Boy (“rapaz-pássaro”, em tradução livre) e um ainda adolescente piloto de testes: Steve Trevor. O mesmo que, anos mais tarde, chegaria, por acidente, à Ilha Paraíso. Uma “liberdade criativa” dos editores da Era de Prata.

Em agosto de 1961, a capa de “Wonder Woman” nº 124 chama atenção para um encontro histórico e cronologicamente impossível: BebêMaravilha, Moça-Maravilha, Mulher-Maravilha e Hipólita, também chamada de Rainha Maravilha (Wonder Queen), na mesma história. Este encontro se repetiria em abril de 1962 (“Wonder Woman” nº 129). A Família Maravilha fazia sucesso: o lado da fantasia tornou-se um forte componente nas histórias de super-heróis – em 1964, por exemplo, sete das oito capas de “Wonder Woman” têm monstros gigantes.

Terra-1 e Terra-2

Não era apenas a Mulher-Maravilha que dava seus saltos fantasiosos nesta época, mas a editora DC como um todo. Em “The Flash” nº 123 (setembro de 1961), finalmente é explicado porque as histórias do Flash dos anos 40 e 50 são tão diferentes das narradas a partir do final dos anos 60 – e, por extensão, é a mesma explicação que vale para as histórias de Batman, Superman, Mulher-Maravilha e todos os demais.

A DC Comics introduziu em suas histórias o conceito de terras paralelas. São dimensões diferentes, com versões diferentes do planeta Terra – consequentemente, histórias diferentes. A Mulher-Maravilha que lutou na Segunda Guerra Mundial pertence à chamada Terra-2, bem como a Sociedade da Justiça, o Joel Ciclone e o Falcão da Noite. É a dimensão das histórias da Era de Ouro.

A outra Mulher-Maravilha, assim como a Liga da Justiça, o novo Flash e o Gavião Negro, são da Terra-1. Em “Justice League of America” nº  21 (agosto de 1963), pela primeira vez, as duas equipes se encontram: Liga e Sociedade da Justiça. É o chamado “crossover” (encontro de personagens diferentes). Este “crossover” entre a Liga e a Sociedade da Justiça tornou-se freqüente nas histórias da DC Comics.

A explicação da Terra-1 e da Terra-2 (no Brasil, traduzidas curiosamente como Terra Ativa e Terra Paralela, respectivamente) possibilitou também a história “The Golden Age Secret Origin of Wonder Woman” (A Origem Secreta da Mulher-Maravilha da Era de Ouro), publicada em “Wonder Woman” nº 159 (janeiro de 1966), com roteiro de Robert Kanigher e desenhos de Ross Andru.

A história em si não trazia novidades. Tratava-se de uma homenagem ao período original da Mulher-Maravilha – Ross Andru, inclusive, desenhou a história reproduzindo o estilo de Harry G. Peter.

O que chamava a atenção era que, pela primeira vez na revista “Wonder Woman”, ficava claro para o leitor que a Mulher-Maravilha daquele momento histórico era diferente da de duas décadas atrás. Os enunciados na capa já eram bem claros: “Agora! Finalmente! Pela primeira vez desde a Era de Ouro dos Quadrinhos! A única e verdadeira origem secreta da poderosa amazona: a Mulher-Maravilha! Completa! Sem censura! Impressionante! Incrível! Mulher-Maravilha! Vai revelar os segredos íntimos das amazonas: seus poderes – suas fraquezas – suas armas – seus deuses estranhos – suas atemorizantes – seus castigos – sua Ilha Paraíso – seus códigos! Uma primeira edição da DC! Outro grande artigo de colecionador!”. Tudo ali era novidade, no sentido de tratá-la como uma personagem com duas “versões” diferentes.

A demissão dos personagens

Assim como a Era de Prata da Mulher-Maravilha começou de maneira metalinguística, com duas Mulheres-Maravilha lutando entre si sobre uma fina corda, na capa de “Wonder Woman” nº 98 (maio de 1958), ela terminou da mesma maneira (na verdade, o que terminou foi a fase de Robert Kanigher à frente da personagem: a denominação Era de Prata, assim como Era de Ouro, só foi dada décadas mais tardes, por historiadores, editores e fãs).

Na segunda história de “Wonder Woman” nº 158 (novembro de 1965), o editor Robert Kanigher, em uma história escrita e desenhada por ele mesmo, chama o “elenco” da revista a seu escritório: Mer-Boy e sua versão adulta, Mer-Man; Bird-Boy e sua versão adulta, Bird-Man (“homem-pássaro”); Bebê-Maravilha; Moça-Maravilha; Hipólita, a Rainha Maravilha; Steve Trevor; e até a bizarra criatura em forma de ameba gigante chamada Glop. Todos, exceto por Trevor e Hipólita, criados na gestão Kanigher.

O motivo da reunião: demissão coletiva. Kanigher anunciava aos personagens (e aos leitores) que a revista estava tomando um novo rumo, e que aqueles personagens seriam “demitidos”. Não à toa, o nome da história era “The End – or The Beginning” (“O Fim – ou O Princípio”).

Em entrevista ao historiador de quadrinhos Lee Daniels, Kanigher contou que:

“Havia um grupo de fãs que detestava tudo o que eu fazia, então eu me diverti com eles. Representei-os como uma multidão fora da janela do meu escritório. E, sob seu olhar, eu peguei efígies dos personagens, um por um, coloquei-os em minha mesa e tranquei na gaveta.”

A anunciada nova fase da Mulher-Maravilha, entretanto, demoraria um pouco para chegar à revista: começaria apenas dali a 20 números, em “Wonder Woman” nº 178 (setembro-outubro de 1968). Até lá, a revista apresentou história cambaleantes, sem uma linha editorial definida.

Outras duas novidades chegaram aos fãs antes dessa nova fase. Curiosamente, ambas fora das revistas em quadrinhos: as duas primeiras adaptações da personagem para outras mídias. Uma, na forma de um disco de 45 rpm. Outra, a primeira versão da Mulher-Maravilha de carne e osso que estava sendo estudada. Essas surpresas se aproximavam… E nenhuma delas era o que os fãs esperavam.

A primeira Mulher-Maravilha fora dos quadrinhos

A estreia da princesa amazona longe das páginas impressas não aconteceu na tv ou no cinema, mas nas vitrolas. Em 1966, no auge do seriado do Batman estrelado por Adam West, a DC adaptou histórias de alguns de seus personagens em discos de 45 rpm. Batman, a estrela da editora no momento, ganhou cinco discos. Superman e Mulher-Maravilha, um cada.

O disco, lançado sem créditos dos atores, músicos e demais envolvidos, exceto os da fabricante (Synthetic Plastics Company), começava com uma canção-tema que dizia:

Wonder Woman, Wonder Woman, Wonder Woman, Wonder

Woman

How I wonder ‘bout the wonder

The wonder, the wonder, the wonder

Of you.

Em tradução livre:

Mulher-Maravilha, Mulher-Maravilha, Mulher-Maravilha,

Mulher-Maravilha

Como eu me maravilho com a maravilha

A maravilha, a maravilha, a maravilha

De você.

Na história, uma deusa teutônica chamada Frau Von Braunschweiger ressurgia do passado para colocar a Alemanha de volta a seus dias de glória. Para isso, tentava recrutar Steve Trevor. Entrava em ação Diana Prince, a Mulher-Maravilha, que salvava os Estados Unidos de um ataque atômico.

A identidade da primeira mulher a interpretar a Mulher-Maravilha permanece secreta. O nome da história era “Wonder Woman: The Return of Brunhilde” (“Mulher-Maravilha: o Retorno da Brunilda – espécie de valquíria da mitologia nórdica) e ela está reproduzida acima (infelizmente, em inglês).

A coleção de discos com histórias de personagens da DC foi um fracasso e não seguiu adiante. Mas ainda havia a televisão…

A primeira Mulher-Maravilha de carne e osso

Em 1966, o seriado “Batman”, com Adam West, fez um estrondoso sucesso, misturando humor e super-heróis. Os uniformes coloridos, as onomatopeias, os bordões de Robin (Burt Ward), foram transformados em divertidos episódios de aventura e humor.

Se deu certo com o Batman, por que não com a Mulher-Maravilha? O produtor William Dozier pensou em um seriado com a heroína amazona. Chegou a produzir um curto episódio piloto: “Wonder Woman: Who’s Afraid of Diana Prince?” (Quem Tem Medo de Diana Prince?), dirigido por Leslie H. Martinson e que pode ser vistoa cima.

O episódio, com pouco menos de cinco minutos de duração, tem apenas duas personagens: Diana Prince, a Mulher-Maravilha, vivida por Ellie Wood Walker, e sua mãe – que não é amazona, muito menos a Rainha Hipólita.

Na história, a mãe de Diana Prince fica impedindo a filha de sair de casa para salvar o mundo porque quer que ela jante antes: “coma primeiro, salve o mundo depois”. Além disso, reclama da dor de ser mãe de Diana – não por ela ser uma heroína e correr risco de morte diariamente, mas por estar solteira aos 27 anos. “As vizinhas já estão comentando”, diz.

É, de fato, uma outra visão da Mulher-Maravilha. De amazona altruísta, transforma-se em uma solteira de 27 anos que mora com a mãe e que, quando veste o uniforme, em vez de sair para salvar o mundo, perde alguns minutos admirando-se no espelho, dando beijinhos e tchauzinhos para si mesma.

Esta adaptação nunca foi ao ar, mas pode ser encontrada na Internet. Era final dos anos 60 (1967), e poderia, talvez, ter dado mais popularidade para a personagem, mas nunca saberemos. O fato é que teria sido um risco: era pouco fiel à personagem dos quadrinhos.

Isso, no entanto, não é um fator único ou proibitivo do sucesso na história dos personagens de super-heróis – ou mesmo da Mulher-Maravilha. Ela mesma passaria por mudanças radicais exatamente nesse período. Ainda em 1967, o desenhista Ross Andru deixa a revista após quase nove anos consecutivos. É sucedido por Irv Novick, em um primeiro momento, e por Mike Sekowsky, que já desenhara a personagem nas histórias da Liga da Justiça, a partir de 1968.

Ainda em 1968, “Wonder Woman” nº 176 (maio-junho) é o último número com Robert Kanigher como escritor ou editor. Jack Miller se torna o editor em “Wonder Woman” nº 177 (julho-agosto) e, no número seguinte, a Ilha Paraíso vai para outra dimensão, a Mulher-Maravilha perde os poderes e começa a sua nova era, cortesia da dupla Dennys O’Neil (roteiro) e Mike Sekowsky (desenhos).

Sem poderes, sem uniforme, sem a Ilha Paraíso… E até sem Steve Trevor, que morreu. Será que as mudanças foram longe demais? Até onde os artistas podem alterar um personagem sem descaracterizá-lo completamente, sem comprometer o interesse dos leitores? Uma nova era iria se iniciar para a Mulher-Maravilha, e isso não significava exatamente que seria boa.

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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