Depois de mais de um ano de atraso em relação aos EUA, a quarta temporada da série de TV Preacher enfim estreou no Brasil, nesta quinta-feira (5). Adicionada ao cardápio de produções da plataforma de streaming Amazon Prime Video, ela promete encerrar a história iniciada há cinco anos, que adapta a série de HQs homônima de Garth Ennis, Steve Dillon e Glenn Fabry.

Preacher conta a história de Jesse Custer (Dominic Cooper), um pastor texano que recebe, por meio de uma entidade sobrenatural misteriosa, o poder de fazer com que qualquer um o obedeça. Depois de descobrir que Deus abandonou o Paraíso, ele, sua ex-namorada Tulip (Ruth Negga) e o vampiro irlandês Cassidy (Joe Gilgun ) partem em busca do Todo-Poderoso.

Por ser vago, esse resumo serve relativamente bem para descrever tanto o esqueleto da série, quanto dos quadrinhos, mas as similaridades entre obra original e adaptação não são tão vastas assim. Preacher é um grande exemplo de obra adaptada para uma nova mídia que não tem medo de mudar não só pontos-chave da história que conta, como também o que quer costurar com o que está contando.

Preacher, como vista na série de TV, mas pela arte de Steve Dillon

Na obra de Ennis, provavelmente a maior e mais relevante da carreira, o autor mergulha em credos religiosos, superstições, teorias da conspiração e mitologias para, em uma narrativa estradeira, construir uma sátira social, política e religiosa (profana) da sociedade norte-americana, usando como principal ferramenta o choque e a resposta emocional por ele provocada.

Na série de TV, fruto da colaboração de Seth Rogen, Evan Goldberg e Sam Catlin, essa finalidade é diluída em uma ênfase maior dada para o humor e o entretenimento, mantendo parte da acidez em enxergar e retratar a realidade de forma crítica, mas ocasionalmente abrindo mão de profundidade ou até coesão narrativa em prol do desenvolvimento dos personagens e do divertimento do espectador.

Soa ofensivo que a adaptação de uma obra seminal dos quadrinhos seja descompromissada a ponto de, ocasionalmente, apresentar resoluções para conflitos que parecem tiradas de uma cartola? Talvez, mas o exercício em desprendimento necessário para analisar cada obra como uma coisa diferente pode abrir caminho para a diversão.

Escrevo isso porque Preacher trabalha de uma forma muito inteligente, peculiar e claramente intencional essas “incoerências”, fazendo delas uma longa piada, cuja resolução absurda é justamente o “punchline”. Algo reminiscente de esquetes do genial Monty Python’s High Flying Circus.

A estrutura costuma ser a seguinte: em um episódio, somos apresentados a um personagem. No seguinte, esse personagem é inserido em um conflito aparentemente sem solução, aprofundado a nível crítico no próximo episódio. Entretanto, na sequência, algo milagroso acontece que o tira dali: é porque o conflito nunca foi importante, mas sim a reação do personagem a essa situação e à solução milagrosa que o tirou dela.

Fica claro o entendimento de Rogen, Goldberg e Catlin, que tentar fazer na TV algo tão revolucionário e influente como foi Preacher para os quadrinhos seria impossível, então por que não fazer algo que vá simplesmente ser memorável para quem gosta de… TV? É uma aposta acertada. E, honestamente, eles conseguem.

Cassidy e Tulip: Personagens brilham tanto (ou mais) que Jessie Custer

Principalmente porque, mesmo em meio às muitas mudanças que promovem, os três entendem a essência dos personagens como vista nos quadrinhos. Sim, o Jessie de Dominic Cooper é mais explosivo e menos inteligente; o Cassidy de Joe Gilgun é consideravelmente mais humano; a Tulip de Ruth Negga é muito mais presente, complexa e rica, enquanto personagem. Mas, ainda assim, todos eles passam por arcos de mudança e aprendizado que de alguma forma referenciam os originais — seja reproduzindo ou subvertendo-os.

O que acontece como base principal para as mudanças, na série, é em via de regra uma maior injeção de esperança e uma considerável suavização no cinismo do texto de Ennis. Assim como em The Boys, há mais coração, em linhas gerais, na maioria dos personagens da série de TV Preacher que nos quadrinhos; consequência da ênfase dada a eles, no contar da história.

Contra novos espectadores, pesa ainda o fato de que a primeira temporada inteira funciona apenas como um prólogo à trama que dá início aos quadrinhos, o que desmotiva um tanto. Ainda assim, acredite: a partir daí, a introdução de vilões marcantes das páginas de nanquim, além da velocidade com a qual a trama se desenvolve, são louváveis e valem muito a pena serem conferidas. Além do que, com o encerramento já na quarta temporada, parece certo que o ritmo será mantido até o final.

Please follow and like us: