Quando comecei a ler quadrinhos, um crossover (história que mistura personagens de editoras diferentes) entre Marvel e DC era um sonho distante. Quatro já haviam sido publicados: dois com Superman e Homem-Aranha (em 1976 e 81); um com Batman e Hulk (1981); e um com Novos Titãs e X-Men (1982). Já haviam sido publicados no Brasil, mas era difícil achar um à venda.

Depois, nos anos 90, os crossovers voltaram contudo. No início, houve encontros entre personagens com algo em comum, como Batman e Capitão América ou Darkseid e Galactus. Depois, “virou passeio!”, como diria Galvão Bueno no 7a1. Teve Batman e Spawn, Savage Dragon e Tartarugas Ninjas, Justiceiro e Archie (???).

O mais divertido dessa história é a maneira como tudo começou: escondido, sem ninguém perceber.

Em 1971, os quadrinistas Gerry Conway, Len Wein, Glynis Wein e Steve Englehart foram juntos a uma parada de Halloween em Rutland (nos Estados Unidos). Depois, escreveram três aventuras interligadas – não oficialmente, e é aí que está a graça. As três histórias se passam em Rutland e têm os mesmos quatro coadjuvante: Gerry Conway, Len Wein, Glynis Wein e Steve Englehart!

A história começa em “Thor” nº 207 (da Marvel): Thor enfrenta a ameaça mística de Loki. Em paralelo a isso, os quatro amigos chegam para a festa de Halloween, onde há uma parada de pessoas vestidas de super-heróis. A cena que abre este texto é desta história e mostra dois carros alegóricos. No primeiro, é possível ver pessoas fantasiadas como heróis da Marvel: Thor, Capitão América, Homem de Ferro… No segundo carro, um pouco atrás, é possível ver Superman (?!) e Batman (?!). Em tese, são pessoas fantasiadas como eles, mas veremos daqui a três parágrafos de quem se trata…

Glynis Wein, que estava vestida como a Supergirl (embora seja chamada de “Powergirl”) desaparece, e Gerry Conway, Len Wein, e Steve Englehart procuram por ela. Quando volta, ela não se lembra do que houve – e só saberá o que aconteceu quem ler a continuação, no número 103 da revista mensal da Liga da Justiça, da concorrente DC Comics.

A saga continua em “Justice League of America” nº 103 (da DC): a Liga da Justiça enfrenta a ameaça mística de Felix Fausto.

Antes de a aventura começar, entretanto, os heróis aproveitam para desfilarem em um carro alegórico da parada – com Superman e Batman à frente (cena abaixo)! Ou seja, é o mesmo carro que aparece nas páginas de “Thor” nº 207 – o detalhe é que o terceiro carro da parada apresenta personagens da Marvel nesta história da DC: Hulk, Homem-Aranha, Thor e Capitão América.

E a ação começa: Felix Fausto usa seus poderes para transformar pessoas comuns em criaturas poderosas devidamente uniformizadas. Gerry Conway, Len Wein, Glynis Wein e Steve Englehart aparecem no início da história, pouco antes de Glynis sumir.

Entre as vítimas transformadas por Felix Fausto para atacarem a Liga da Justiça estão o Comando América, com seu escudo vermelho e branco e seu uniforma inspirado na bandeira dos EUA (sim, é o Capitão América); um criatura que lembra um humano aracnídeo (Homem-Aranha, obviamente); e alguém que é chamado de Deus do Trovão Nórdico (Thor!).

Não são só eles, entretanto: também aparecem “versões” de Robin, Adam Strange e Supergirl – que, vamos descobrir, é a pobre Glynis Wein.

A conclusão da “Trilogia Halloween” foi publicada em “Amazing Adventures” nº 16 (Marvel de novo): o mutante Fera enfrenta a ameaça mística do Fanático. Como a história se passa em Rutland, durante a mesma parada, temos a oportunidade de ver, mais uma vez, pessoas fantasiadas como Superman, Batman e Flash nas páginas da Marvel.

Isso foi há 50 anos. Consegue imaginar, hoje, algum artista fanfarrão metendo personagem da DC em história da Marvel (ou vice-versa) sem avisar a chefia de que a história continuava na concorrência?

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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