Uma vez, em uma aula de literatura no colegial, o professor começou a falar de quadrinhos. Mais especificamente, Carlos Zéfiro.

– São os gibis que ensinaram a uma geração o que era sexo! Tem homem com mulher, homem com homem, mulher com mulher, todas as posições que vocês já fizeram e todas que vocês vão morrer lamentando não terem experimentado.

E eu ouvindo aquilo tudo e pensando: mas quem diabos é esse Zéfiro?

Carlos Zéfiro começou a publicar HQs eróticas nos anos 1940. As histórias, curiosamente, ficaram conhecidas como Catecismos – porque tinham o formato dos livretos usados nas igrejas para o ensino de religião.

Graças à dica do professor, tive contato não só com os Catecismos, mas também com um livro chamado “O Quadrinho Erótico de Carlos Zéfiro”, escrito por Otacílio D’Assunção, folclórico editor da revista “Mad” no Brasil que até hoje assina seus trabalhos como Ota.

O livro do Ota me apresentou a muitas facetas do trabalho do Zéfiro, inclusive que, mesmo no auge da sua popularidade, não era tão fácil ter acesso aos “Catecismos”. Vivia-se sob a sombra da ditadura, e nem todo jornaleiro ia ter coragem de vender algo tão erótico. O que não impedia que adolescentes (e adultos, claro) tentassem.

Ota também me apresentou a um mistério: o Carlos Zéfiro não se chamava Carlos Zéfiro. Até a publicação do livro do Ota, em 1983, não se sabia quem era a pessoa por trás do pseudônimo que o misterioso artista começou a usar em 1952, quando já tinha anos de experiência.

Em 1991, o mistério foi revelado: Eduardo Barbosa deu uma entrevista revelando ser o Zéfiro. Mostrou originais e tudo… Mas era #fakenews, o que só aumentou o mito.

O verdadeiro Carlos Zéfiro foi revelado por Juca Kfouri na revista “Playboy”: tratava-se de Alcides Caminha (1921-1992). Era este o funcionário público, aparentemente calmo e tímido, a mente por trás de “Sítio dos Prazeres”, “Parafuso e a Mulher-Biônica”, “Néa, a Aeromoça”, “Semi-Virgem”…

Décadas depois de o mistério ter sido revelado, Alcides Caminha (ou Carlos Zéfiro, como preferir) ainda é o maior autor dos quadrinhos eróticos brasileiros de todos os tempos. Além disso, ainda provoca curiosidade.

No ano passado, o ótimo jornalista Gonçalo Junior lançou a biografia “O Deus da Sacanagem: A Vida e o Tempo de Carlos Zéfiro”. Além disso, o documentarista carioca Silvio Tendler, autor de dezenas de filmes sobre personalidades brasileiras (como Jango, Josué de Castro ou Oswaldo Cruz), lançou este ano o filme “Em Busca de Carlos Zéfiro ou Por Tanto Leite Derramado”. Entre os muitos entrevistados, estão os já citados Ota, Kfouri e Gonçalo.

O motivo de eu ter falado hoje sobre o Zéfiro aqui no Hábito de Quadrinhos é justamente esse filme do Tendler. “Em Busca de Carlos Zéfiro” será exibido amanhã (sexta, dia 9), às 22h30, no canal Curta!.

O filme do Tendler, o livro do Gonçalo e, claro, as próprias HQs do Zéfiro. Você não pode dizer que meu professor de literatura não te avisou.

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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