O que é melhor (ou menos pior): ser um sucesso de fracasso ou um fracasso de sucesso? No caso de Novos Mutantes, pouco importa, já que o filme estava fadado a ser um dos dois antes mesmo de chegar às telonas. Última adaptação dos quadrinhos Marvel desenvolvida pela 20th Century Fox antes da aquisição do estúdio pela Disney, ela foi ferida por constantes atrasos na produção, mandos e desmandos criativos, além da pandemia do novo coronavírus. É verdade que o pior dos cenários foi evitado, mas não a ponto de apagar a sinfonia de erros que fazem do projeto uma bola fora.

Leia mais da coluna Quadrinho Falado:
Coluna analisa filmes e séries saídos das HQs
Pegou essas referências no teaser do novo Batman?
Chadwick Boseman e quando um bom homem é rei

A ideia por trás do filme era, inicialmente, clara e promissora: adaptar os quadrinhos dos Novos Mutantes, grupo derivado dos X-Men criado por Chris Claremont e Bob McLeod, em uma trama que misturasse terror, uma história de amadurecimento adolescente inspirado em filmes como O Clube dos Cinco, e os arquétipos de super-heróis que conhecemos das histórias dos alunos de Charles Xavier.

Previsto para estrear em 2018, o filme teria direção de Josh Boone (do sucesso adolescente A Culpa é das Estrelas) e contaria com Anya Taylor-Joy como Magia, Henry Zaga como o brasileiro Mancha Solar, Maisie Williams como Lupina, Charlie Heaton como Míssil, Blu Hunt como Miragem e Alice Braga no papel de mentora do grupo.

O site norte-americano Vulture detalha, passo a passo, como as coisas começaram a dar errado, mas o resumo é o seguinte: depois de ter iniciado parte de sua produção (escalação de elenco, escolha de locações, distribuição do orçamento), o filme passou a ser modificado tematicamente pelo estúdio, inseguro da capacidade de Boone e o restante da equipe criativa equilibrarem com sucesso elementos de terror, da saga mutante e dramas adolescentes. A opção foi pesar a mão no horror e na ação, tirando ênfase da angústia e do humor teen. Só que a tentativa de adequar uma narrativa já em produção passou a atrasá-la mais e mais.

Primeiro, houve a necessidade de adiar todo o cronograma de lançamento para realizar refilmagens que refletissem a nova ênfase no terror. Depois, a paralisação provocada pela compra da 20th Century Fox pela Disney (por US$ 71 bilhões (R$ 376 bilhões), em negócio que se arrastou por mais de um ano).

Depois, veio a necessidade de rever a intensidade dos elementos mais arrepiantes inseridos no filme, que poderiam extrapolar as diretrizes mais familiares da nova dona do longa-metragem, a Casa do Mickey. Nesse momento, porém, novas gravações eram impossíveis; os atores já estavam velhos demais em relação à maioria das cenas filmadas. Aí, já viu…

Como se desgraça pouca fosse bobagem, a pandemia do novo coronavírus ainda provocou mais um adiamento, fazendo com que o filme chegasse às telas só com a reabertura de salas de cinema nos EUA e em alguns lugares do mundo, a partir de 28 de agosto de 2020.

Se a decisão de não lançá-lo no streaming (a exemplo de Mulan e Artemis Fowl) partiu da Disney ou se foi forçada por uma cláusula contratual que sobreviveu à troca de mãos entre Fox (agora chamada 20th Century Studios) e a Casa do Mickey, não se sabe. O que se sabe é que, no tempo até essa estreia, as expectativas em torno da produção foram reajustadas para suavizar o desastre comercial que se anunciava.

Em um cenário pré-pandêmico, com cinemas do mundo todo operando normalmente, era esperado que Novos Mutantes, a custo de US$ 70 milhões (R$ 370 milhões), pudesse arrecadar US$ 20 milhões só nos EUA, em seu final de semana de estreia. Após a covid-19 tomar o mundo, a projeção mais otimista apontava para algo entre US$ 5 milhões e US$ 10 milhões; assim, de qualquer forma o filme dificilmente faria lucro expressivo (e corria risco de sequer se pagar) ao longo de toda sua permanência nos cinemas reabertos, mas ao menos poderia caminhar para uma compensação a longo prazo nas plataformas digitais.

Pois a Disney conseguiu e Novos Mutantes tornou-se um fracasso de sucesso: um filme lançado com quase três anos de atraso, aprovado por menos de 40% da crítica internacional (via Rotten Tomatoes), mas que conseguiu o “menos pior” do pior cenário possível para seu lançamento: arrecadou US$ 5 milhões (R$ 37 milhões) em seu final de semana de estreia, atendendo às expectativas da Disney. Só não se deixe enganar: se há alguém comemorando algo por lá, é pelo fim da novela envolvendo o lançamento do filme, claramente tratado como herança maldita por uma campanha de marketing e lançamento para lá de preguiçosa.

Último homem de pé: Deadpool deve ser o único (quase) X-Man da Fox mantido pela Disney

TRISTE FIM

Chega a ser irônico pensar que, sem a 20th Century Fox e seus filmes de X-Men do início do século 21, o colosso cinematográfico chamado Marvel Studios não existiria. Com roupas de couro, um Wolverine alto e magrela e a imponência shakespeariana de Sir Ian McKellen e Sir Patrick Stewart, o diretor Bryan Singer criou uma aventura datada, sim, mas primordial na abertura de portas para esta nossa Era de Ouro do entretenimento de super-heróis no cinema e na TV.

Mas a jornada não foi marcada apenas por sucessos. X-Men e X-Men 2 foram grandes filmes à sua época, só que X-Men 3: O Confronto Final descambou em ambições grandes demais e roteiro bom de menos.

Nos anos seguintes, decepções foram das mais sofridas às mais insossas com X-Men Origens: Wolverine, X-Men: Apocalipse e Wolverine: Imortal, que atrapalharam o acúmulo de prestígio com os ótimos X-Men: Primeira Classe, X-Men: Dias de um Futuro Esquecido e Logan. E tudo culminou na mais patética das despedidas, com o horroroso X-Men: Fênix Negra e o quase irrelevante Novos Mutantes marcando o fim dos filmes da Marvel na Fox; precursores que se viram engolidos pelo império que inspiraram. Apenas Deadpool parece marcado para sobreviver aos novos tempos, mas ele a gente sabe bem que é difícil de morrer…

Pelo menos, no caso de Novos Mutantes, as histórias bizarras de bastidores e a origem criativa do argumento do filme ainda devem conferir a ele alguma notoriedade. Nem mesmo o co-criador dos personagens, Bob Mcleod, foi poupado pela incompetência generalizada que tomou conta do filme ao longo dos últimos três anos: seu nome está escrito de forma errada (Bob MacLeod) nas cópias exibidas, hoje, ao redor do mundo nas cópias do filme. No final das contas, acho que dá para dizermos, também, que foi um sucesso de fracasso.

Please follow and like us: