Alan Moore passou anos escrevendo e desenhando uma tira estrelada por um gato mágico. “Maxwell” foi publicada de 1979 a 86 no jornal britânico “Northants Post”, e Moore assinava com um pseudônimo feminino criado em cima do nome de um dos maiores serial killers de crianças da história.

Peraí, foi muita informação de uma vez. Vou começar de novo.

Sabe o Alan Moore, o britânico barbudão que roteirizou histórias em quadrinhos maravilhosas como “Watchmen”, “V de Vingança”, “Promethea”, “Monstro do Pântano”? Então, ele também sabe desenhar. E em 1979, “Maxwell, o Gato Mágico” estreou na seção infantil do “Northants Post”, de Northampton – cidade-natal do escritor.

O lado engraçado de Moore pode até ser raro em suas obras mais famosas, mas não é inédito para nós, brasileiros: o gênio infantil Jack B. Quick e The First American foram publicados na “Tomorrow Stories”, da editora Pixel, de 2003 a 2004. Mas ele, o homem que concebeu aqueles massacres em “Miracleman” e “Watchmen”, escrevendo para a gurizada?

“Maxwell” estreou no caderno infantil. Pouco tempo depois, foi realocado para a área destinada a adultos. A dica de que as crianças não fossem o público-alvo talvez estivesse no nome da “autora”: o pseudônimo Jill de Ray é uma corruptela de Gilles de Rais, homem que viveu no século 15 e foi assassino confesso de centenas de crianças – o número varia entre 100 e 600. Ou não: ele pode ter confessado sob tortura, como salienta o escritor, sem explicar direito por que escolheu este nome (nada é fácil com Alan Moore…).

Enfim, a obra completa de Jill de Ray foi lançada recentemente no Brasil no caprichado livro “Maxwell – O Gato Mágico”, da editora Pipoca & Nanquim. Como fã antigo do roteirista ranzinza, confesso que o que mais me atraiu, antes de comprar a obra, foram três coisas:

  • A oportunidade de ver Moore antes de ser o Moore que eu conheço: como eram seus roteiros pré-maravilhas como “Miracleman” e “V de Vingança”?
  • O quanto é diferente um roteiro dele pensado para revistas mensais para um de tiras semanais?
  • E minha maior dúvida: será que ele desenha tão bem quanto escreve?

No posfácio, Moore avalia, em um texto de 1986, seu trabalho como ilustrador. Seu humor cáustico na autoavaliação me diverte:

“O gato raramente mexe alguma coisa além da cauda e dos olhos, e fica maior ou menor de quadro para quadro. As letras (feitas à não, na época), às vezes, são mais incompreensíveis do que a piada que estão contando. Por outro lado, eles me pagavam dez libras por semana – você queria o quê? Acha que o Barry Windor-Smith ia fazer todo aquele trabalhoso estilo pré-rafaelita em Conan por dez pratas a semana? O cacete que ia fazer!”

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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