O título da reportagem do ótimo jornal espanhol “El País” é um chamariz e tanto para quem, como nós, gosta de HQs: “Carlos Giménez encerra uma das grandes séries de quadrinhos espanhóis quase 40 anos após sua criação“. Duas coisas me chamaram a atenção: o fato de ser uma “grande série dos quadrinhos espanhois” e, claro, o autor ser Carlos Giménez.

Se você não está associando o nome aos múltiplos prêmios, Carlos Giménez é o autor da excelente “Paracuellos”, HQ inspirada em fatos reais que retratou, por décadas, a vida em um orfanato católico ligado ao governo espanhol de Franco. Giménez cresceu em um deles, e dizer que sofreu bastante é pegar leva com a rotina de torturas, privações e fanatismo a que foi submetido. As lembranças da infância – suas memórias, e as de seus amigos – ajudaram a criar uma série tocante, inteligente e humana.

Algo similar se dá com esta série que “El País” celebra, embora o cenário seja outro. “Los Profesionales” é uma série de quadrinhos que retrata o cotidiano de quadrinistas espanhois a partir da vivência do próprio Giménez e de outros artistas que ajudarm a impulsionar a HQ da Espanha para o patamar elevado que se encontra hoje.

Giménez, que viu a História dos quadrinhos espanhois sendo feita – participando ativamente, aliás-, coloca uma lupa no cotidiano daquels grandes quadrinistas que ajudaram a moldar futuros leitores e, claro, quadrinistas também. Não se trata de um documentário, mas de uma ficção amparada na realidade.

A história começa com Pablo (alter ego de Giménez) tentando iniciar sua carreira de quadrinista em uma Espanha que vivia havia 25 anos sob o governo Franco. Enquanto militares e a Igreja Católica viam tudo de cima, em posição privilegiada, a classe trabalhadora (seu foco é em Barcelona, onde autor e alter ego viviam) que lutava para sobreviver com seu pouco dinheiro e poucas distrações, como futebol e touradas.

Aos poucos, vemos Pablo-Giménez começando a trabalhar em uma agência de quadrinistas e conhecendo aqueles que, como ele, querem sobreviver de quadrinhos. Acompanhamos, com o humor e olhar crítico, a luta diária e as interações pessoais desses artistas que, com talento, teimosia e muito café, conseguiam criar os quadrinhos que, mal sabiam eles, seriam revolucionários.

E agora esta série chega ao fim, com o lançamento do derradeiro tomo, “La última cena de los veteranos” (“A última ceia dos veteranos”, em tradução livre). O final da reportagem de “El País” também é um chamariz e tanto para nós, fãs de HQs: “A última edição de Los Profesionales é mais uma despedida na dolorosa lista de despedidas que o melhor autor de quadrinhos espanhóis nos deixou em seus últimos trabalhos”. Esta série é inédita no Brasil. Quem sabe algum editor que leia “El País” não tenha empatia por nós e traga algumas destas histórias aqui para o Brasil?

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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