Começou este mês uma campanha interessante: sobre os cuidados que é preciso ter quando se trabalha demais com quadrinhos. Se pensarmos bem, embora a campanha seja voltada para profissionais de HQs, tudo o que ela prega pode ser levado para todo mundo que trabalha.

A campanha começou a partir da morte do jovem quadrinista Ian McGinty, 38 anos (a ilustração de Kitty Systy mais abaixo é dele). O laudo médico apontou causas naturais como motivo do óbito, mas amigos e familiares desconfiam das más condições de trabalho – que vão além do excesso de horas produzindo.

A partir da morte de McGinty, a também quadrinista Shivana Sookdeo (@toastasaurus) lançou a hashtag #comicsbrokeme no Twitter – em tradução livre, seria algo como #quadrinhosacabaramcomigo. A imagem que abre este texto é do perfil @LeoAria71220833.

O relato de Shivana pode ser um exemplo do que a campanha alerta (ela escreveu em inglês, fiz uma tradução aproximada):

“Levei mais de três anos para terminar minha graphic novel porque eu tinha um adiantamento de US$ 7.000 (para mais de 120 páginas de arte colorida E letras) e isso significava que eu tinha que pegar não apenas um trabalho diurno exigente, mas também freelance. Eu tinha que priorizar o dinheiro. Não priorizei minha saúde. Nunca vi meus amigos, nunca vi família. (…) Aquele desespero para não voltar a pular refeições para pagar o aluguel ainda me assombra. Então estou aqui agora com transtorno disfórico pré-menstrual exacerbado, síndrome do ovário policístico e transtorno do pânico. Por US$ 7.000 pago aos poucos. Trabalhando na publicação e vendo meus colegas cartunistas serem roubados de ambos os lados(…) Os quadrinhos são um meio bonito e complicado e a compensação justa para as pessoas que os fazem é tratada inadequadamente. Não vale a sua vida. Melhor você trabalhar por conta própria como um hobby do que aceitar horários punitivos por nada. Mais uma vez, sou privilegiada. Tenho convênio médico e o suficiente para pagar as contas. (…) Mas para cada um de mim existem incontáveis ​​outros sendo pisados. Devemos um ao outro falar alto sobre isso.”

Segundo o Comics Beat, entre os inúmeros temas abordados já no primeiro dia de #comicsbrokeme estão o péssimo pagamento para coloristas, queda nas remunerações, os pequenos adiantamentos para obras grandes e a falta de royalties para quem trabalha em quadrinhos licenciados.

É claro que este é um pequeno passo e não sabemos onde vai dar. Mas fico, claro, na torcida por significativas melhoras nas condições de trabalho – para quadrinistas, mas também para todos nós, profissionais.

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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