Há tempos que os grandes teóricos sobre quadrinhos (Will Eisner, Scott McCloud…) refletem que há muito a explorar sobre essa subestimada arte. Eles falam tanto dos temas (quesito em que os mangás vão bem) aos formatos (especialmente, mas não só, com a tecnologia propiciada pela internet). Acabei de ler uma webcomic que me lembrou dessas ponderações. Afinal, foi criada para a internet; é uma HQ de não-ficção sobre um tema pouco abordado (preconceito contra o islamismo); e foi feita a partir de uma pesquisa (o que é raro).

O nome da história é “Outside de Box” (“fora da caixa”) e você pode lê-la aqui – infelizmente, está em inglês. Foi criada pelo incrível site Positive/Negatives. Pretendo falar em breve sobre ele aqui no Hábito de Quadrinhos, mas, em resumo, é uma equipe sediada na Inglaterra que narra, em quadrinhos, histórias reais que abordem direitos humanos ou questões sociais. Preconceito contra a religião, claro, entra aqui.

A história em quadrinhos de que falo foi feita a partir de uma pesquisa – o que é inovador. O objetivo era saber como o islã, e seus seguidores, são vistos dentro de universidades britânicas.

A primeira parta da pesquisa, claro, foi ouvir as pessoas:  2.000 estudantes de cerca de 90% das universidades locais. Essas informações foram coletadas e separadas. As partes mais significativas foram selecionadas para a HQ. Era importante retratar a opinião tanto dos muçulmanos como dos não-islâmicos.

As ilustrações são, intencionalmente, simples. Na parte do site em que o Positive/Negatives se apresenta, eles falam isso: que suas HQs são simples, mas não simplistas. O que eles querem é contar uma história. No caso dos temas que abordam (direitos humanos e questões sociais), optam pela clareza. Não querem que algo atrapalhe o que está sendo narrado, como um roteiro cheio de idas e vindas ou uma arte caricata ou abstrata demais.

Da maneira como “Outside de Box” foi redigida, não há juízo de valor. Simplesmente mostra dúvidas, comentários e até fatos. Por exemplo: uma aluna islâmica tem medo de pegar livros sobre sua religião na biblioteca, e pede a um amigo branco que faça isso por ela. Isso é assustador: uma pessoa que, devido ao preconceito que sofre rotineiramente, tem medo de pegar um livro para estudar.

Não vou tirar o prazer da leitura. Retratarei apenas uma frase dita por um aluno não-muçulmano e outra dita por uma islâmica.

  • [não-muçulmano] Se eu pergunto por que a pessoa usa hijab, não estou dizendo que ela não o deve usar. Só estou tentando entender por que faz isso.
  • [islâmica] Se me perguntam por que uso hijab, eu posso perguntar por que estão usando calça jeans. Além disso, não é tão simples ser curioso. Se você me pergunta “por que”, como se minha vestimenta não pertencesse a esse lugar, não é uma questão neutra e é motivada por preconceito.
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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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