Há mais de dez anos, o UOL Notícias me apresentou ao quadrinista Celton. Tratava-se de um artista interessante: escrevia, ilustrava e editava suas próprias HQs. Não satisfeito, ia pessoalmente vendê-las nas ruas de Belo Horizonte. Fantasiado.

Ou seja: se você estivesse pelo trânsito da capital mineira, poderia se deparar com um cara vestido de Superman (ou de Máskara), com um cartaz enorme em uma das mãos anunciando que vendia seus quadrinhos independentes. A parte mais legal da história é que ele se sustentava assim.

As HQs de Araújo iam de adaptações de lendas locais, como a Loira do Banheiro ou o Capeta do Vilarinho, a um personagem próprio: o super-herói Celton. Pode parecer que ele batizou o personagem com seu próprio nome, mas foi o contrário. Em seu RG consta Lacarmélio Alfêo de Araújo, e Celton é o apelido que ele recebeu devido ao sucesso local de sua criação.

“Eu ia para as ruas vender coisas como picolé, mexerica, loterias. Eu fui engraxate, vendi pastel na fila do INSS. Isso tudo é que construiu o vendedor que hoje eu sou”, contou ele ao repórter Rayder Bragon. “Eu acho que se eu não tivesse tido esse período, com essas experiências, talvez eu não tivesse me sobressaído com a revista. A vida inteira eu tive experiência com a rua.”

O isolamento social trouxe um problema a Celton: não pode mais vender como antes. E o que ele fez? O artista se reinventou, nos informa o “Estado de Minas”.

Celton publicou nas redes sociais uma animação de 11 minutos: “Viagem Histórica em 3D ao Curral Del Rey”. Assim como seus quadrinhos, o vídeo apresenta a cultura local, embasada em pesquisa, e embalada em roteiro e arte originais.

Logo no início do vídeo, Celton deixa claro que o material iria ser inicialmente uma HQ. Como ele não poderia a vender nas ruas, por conta do isolamento, o transformou em um vídeo, totalmente feito por ele: edição, locução e até a trilha sonora. Na descrição, deixa seus dados bancários, para quem quiser pagar como se estivesse comprando a revista que ele estaria vendendo.

“Não adianta fazer quadrinho sem poder sair pra vender”, explicou Celton ao jornal mineiro. “Quando termino uma revista, a primeira coisa que eu ganho é uma dívida na gráfica, para rodar os exemplares. Se eu não vender, como vou pagá-la? Por isso o momento é da internet.”

No Brasil ou em qualquer lugar do mundo, não é fácil ser artista independente. Desejo toda a sorte do mundo ao Celton, e deixo aqui um link para seu vídeo.

Que o heroico Celton continue voando!

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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