É difícil para mim, confesso, acompanhar quadrinistas africanos. Afinal, quantas HQs de autores de lá já saíram por aqui?

Entretanto, me esforço. E dois países, em particular, me atraem a atenção: a Argélia, palco do Festival International de la Bande Dessinee d’Alger (FIBDA), e Angola, que promove anualmente o Luanda Cartoon (Festival Internacional de Banda Desenhada e Animação). OK, ainda há um fator pessoal: meu pai nasceu em Luanda…

Felizmente para mim, grandes jornais europeus publicam, de quando em quando, entrevistas ou reportagens com autores de pichas. Eu não conhecia essa palavra, mas quando o Museu Afro Brasil, aqui de São Paulo, exibiu uma mostra sobre quadrinhos africanos, este foi o termo que a batizou – “picha” tem origem na língua suaíli e significa “desenho”.

L’Andalou nos mostra: o coronavírus ataca a Argélia

Quem me apresentou ao artista argelino L’Andalou (pseudônimo de Youcef Koudil), que hoje mora no Canadá, foi o jornal francês “Le Monde”, que publicou há alguns meses uma curta entrevista com ele.

Sua página no Twitter abre com uma imagem que traduz o que ele pensa de sua profissão – é a mesma que está no alto deste post. Seu lápis é uma arma, com a qual ele luta por uma Argélia melhor.

Separei aqui alguns trechos da entrevista para o “Le Monde”:

“[Questionado sobre como surgiu a tradição de cartunistas e chargistas argelinos] No final da década de 1980, o povo argelino exigia mais liberdade e mídia aberta. Ficamos com um pouco de inveja da liberdade dos países ocidentais. Os políticos abriram as comportas e conseguimos acessar mais coisas. Jornais independentes também foram criados, mesmo que dependessem do dinheiro do estado. É aqui que os cartunistas surgiram.

No momento, tenho liberdade nas mídias sociais, mas não trabalho mais para nenhum jornal. Eu recebo ameaças, mas não as levo a sério. O cartunista Nime, que não conheço pessoalmente porque é de Orã [cidade a 430 quilômetros da capital, Argel, onde L’Andalou estudou], foi preso em 26 de novembro por seus desenhos [ele foi solto em janeiro].

Na visão de L’Andalou, o coronavírus não é o único problema da Argélia

“Jornalistas conhecidos perderam o emprego nas últimas semanas [a entrevista foi publicada em dezembro]. Outros estão na prisão. Isso é assustador. Para onde vamos? Ninguém, nem mesmo o exército, quer reviver um período de violência como o da década sombria [os anos 90].”

“Se você falar, você vai para a cadeia. Se desenhar, vai para a cadeia.”

O FIBDA acontece anualmente em outubro. O deste ano ainda não foi anunciado, talvez pelo mesmo motivo que os demais festivais do gênero estejam sendo canceladas: o novo coronavírus.

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

Quer falar comigo, mas não pelos comentários do post? OK! Meu e-mail é pedrocirne@gmail.com

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