
O psiquiatra Fredric Wertham (1895-1981) lançou, em 1954, um livro que foi importante para a história dos quadrinhos norte-americanos: “A Sedução dos Inocentes”. Importante e, em linhas gerais, equivocado.
Wertham, talvez bem intencionado, quis estudar o impacto dos quadrinhos na mente dos leitores norte-americanos. Sem nenhum critério científico e com uma metodologia abaixo da crítica, ele obrou uma dissertação em que defendia que as HQs contribuiriam para transformar crianças em delinquentes. Não há – nunca houve – sustentação científica para tal “conclusão”.

O conteúdo preconceituoso (ele tinha uma ideia pré-concebido e distorceu dados e números para “comprová-la”) de Wertham fez sucesso – não é de hoje que as fake news enganam. O Senado americano abriu um inquérito para “investigar” os efeitos dos quadrinhos nas crianças. Concluiu que era preciso haver um “limite” e criou o Comics Code Authority (Código de Ética dos Quadrinhos). Tinha outro nome, mas era censura. As editoras que não estampassem o selo do Código de Ética na capa não teriam suas revistas distribuídas. Portanto, perderiam muito dinheiro.
O que o Código de Ética impedia? Vilões “vencendo”, crimes violentos, gays (sim, gays), abordagem de drogas… Na prática, temas como críticas sociais (HQs que retratassem os problemas da sociedade americana), orientação sexual e personagens complexos (nem 100% bons, nem 100% maus) voaram para longe das páginas dos quadrinhos locais.
Enquanto as HQs fora dos EUA puderam evoluir (como fizeram os gekiga japoneses e toneladas de BDs europeias), os super-heróis americanos ficaram na pasmaceira de mocinho vence bandido. Foi pior do que uma estagnação: foi uma involução. Obras incríveis como o Homem-Borracha de Jack Cole não poderiam mais ser publicados.

Os quadrinhos norte-americanos sofreram com a estultice do Código de Ética dos Quadrinhos até 2011, quando finalmente foi abolido. Um estrago considerável.
“A Sedução do Inocente” está sendo publicado pela primeira vez no Brasil. A obra está no Catarse, onde é acompanhada de outro livro: “A Reflexão do Inocente”, que conta com com mais de 800 verbetes que contextualizam e explicam a obra de Wertham – uma espécie de notas dos editores e tradutores, mas em um livro à parte. A ideia é que as pessoas que tanto o criticaram – e criticam – mesmo só tendo lido trechos, tenham acesso ao conteúdo completo (e contextualizado e explicado) para terem uma opinião mais profunda e embasada.
