O Brasil recebeu um livrão sobre a história das HQs norte-americanas: “História dos Quadrinhos: EUA”, dos autores Diego Moureau e Laluña Machado. São mais de 900 páginas contando histórias que abordam personagens que vão de clássicos antigos como Krazy Kat a obras mais contemporâneas como “Habibi”.

Entrevistei, separadamente, os dois autores e escrevi sobre o livro lá na minha coluna semanal na TV Cultura. Mas achei legal transcrever as entrevistas completas aqui no site. Para ler a entrevista com Laluña Machado, é só clicar aqui.

Abaixo, a entrevista com Diego Moureau, sócio da Skript, editor e autor.

O foco do livro são os quadrinhos criados especificamente nos Estados Unidos. O que te levou a escolher precisamente este tema?

A ideia do livro nasceu quando encontrei a Laluña no lançamento da graphic novel “Bill Finger” (sobre a vida do verdadeiro criador do Batman), que fiz o roteiro, teve arte do Sandro Zambi e foi editada pelo Douglas Freitas. No meu mestrado, para analisar “Maus”, fiz um resgate histórico da História dos quadrinhos nos EUA. Laluña tinha feito algo parecido no seu TCC sobre a série de cinema do Batman da década de 40. Falei que estava pensando em escrever uma obra sobre isso. E, com muita ingenuidade, disse que era só “juntar nossos trabalhos, eu dou uma mexida no texto, e fica pronto rápido”. 

Quanto tempo você e a Laluña levaram pesquisando? E o que foi mais difícil para vocês?

Quando peguei nossos trabalhos notei o óbvio. Com todas as novas descobertas, inclusive as que me ajudaram a escrever “Bill Finger”, muita coisa tinha mudado na história dos quadrinhos nos EUA. Fatos antes certos se revelaram falsos ou grandes enganos. Foi por isso que atrasou o livro. Minha rotina de pesquisa/escrita e enviar os arquivos para Laluña durou mais de um ano. De domingo a domingo, em média 10h por dia. Avisamos aos leitores e leitoras que ia atrasar, mas tentei diminuir ao máximo isso. Falhei miseravelmente. Estava previsto um livro de 300 páginas e deu 930 no impresso e mais de 500 páginas no e-book complementar e gratuito (tivemos que “quebrar” o conteúdo, levando muitas biografias para essa segunda obra. Seria injusto só a gente ter acesso a essas informações).

Durante a pesquisa, o que você aprendeu que mais te surpreendeu – ou o que você mais gostou de aprender?

Nossa, muita coisa. Sempre falava para meus orientandos de TCC: você acha que conhece um assunto até começar a pesquisar. Aí você descobre que não sabe nada. Aprendi que fatos consumados, como a falência da Fawcett que resultou na venda do Captain Marvel (Capitão Marvel/Shazam) para National/DC, são apenas lendas urbanas da nona arte. Entendi a real importância de alguns autores/personagens que sempre ouvi falar, mas não tinha estudado o motivo dessa relevância. E entrei em contato pela primeira vez com obras/artistas que não tinham passado pelo meu radar até então. E são peças fundamentais na evolução na nona arte, influenciado muita, muita gente.

Você vê paralelos entre o desenvolvimento da história dos quadrinhos nos EUA e no Brasil? Ou há mais diferenças do que semelhanças?

Como em vários mercados culturais, o cinema e a TV por exemplo, creio ter mais diferenças entre os países. Sem entrar no mérito se é melhor ou pior, lá houve uma indústria. Mesmo com todos os atropelos (e maldades) que relatamos no livro, tinha um cenário que permitiu o crescimento. Aqui, por diversos fatores, apenas recentemente vivemos um fortalecimento e expansão da produção nacional. Tivemos várias editoras no Brasil ao longo das décadas? Sim. Mas o grosso do material era de licenças. Mauricio de Sousa, sempre, vira o exemplo quase solitário de sucesso. Outra prova da diferença está na publicidade. Enquanto nos EUA, por anos, as revistas vinham com anúncios, aqui elas sobreviveram praticamente do preço de capa.

Se você pudesse escolher apenas três obras de HQs dos EUA por sua importância, quais você escolheria. Por quê?

Sou péssimo para fazer listas, pois sempre me dói deixar alguém de fora. Mas pelo tudo que li, pesquisei, escrevi… vou tentar.

1. “Krazy Kat”, de George Herriman, por provar que o único limite de um quadrinho é a criatividade do artista. Ele escancarou a porta que levou as HQs a se tornarem a nona arte e seu DNA está em muita, muita coisa (inclusive fora dos quadrinhos).

2. “Watchmen”, de Alan Moore e Dave Gibbons, que ensinou que qualquer gênero pode trazer camadas e mais camadas de profundidade e interpretações. Quadrinhos não são, apenas, para crianças.

3. “Maus”, de Art Spiegelman, obra que derrubou de vez a barreira entre quadrinho e literatura, confirmando que uma HQ pode sim ter tanta relevância, qualidade e impacto artístico quanto qualquer livro clássico.

(E agora estou me segurando para não aumentar a lista, incluindo várias que também merecem estar ali!)

Se você pudesse escolher apenas três obras de HQs dos EUA das quais você mais gosta, quais você escolheria. Por quê? (Eu sei que essa pergunta é complicada: a minha resposta de hoje provavelmente seria diferente da minha resposta de sete dias atrás…)

Repetindo a resposta anterior, não consigo fazer listas! Me sinto um pai que abandona algum filho. Mas tentarei, numa seleção puramente pessoal, baseada na relação emocional que tenho com elas.

1. “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, de Frank Miller e Klaus Janson. Batman é meu personagem favorito e essa minha HQ favorita. Inclusive por, ao lado dos citados “Maus” e “Watchmen”, ter mudado a História dos quadrinhos. 1986, com as três chegando juntas aos pontos de venda, foi um ano mágico.

2 . “Calvin e Haroldo”, de Bill Watterson. Como falei no livro, essa é a HQ que chegou a moldar a minha personalidade (apesar de já estar saindo da infância quando ela surgiu). O que, pensando bem, explica muita coisa.

3. “Sandman”, de Neil Gaiman e vários artistas. Na sala VIP ali, que tem “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, “Watchmen” e “Maus”, Gaiman senta na ponta da mesa. O que ele fez aqui é arte com A maiúsculo. Se levar em consideração, também, o impacto comercial, é a mais importante HQ dos EUA. O momento em que, finalmente, os quadrinhos ganharam espaço nas prateleiras ao lado dos livros. E ainda por cima é bom demais de (re)ler!

Sempre entendi que os quadrinhos norte-americanos podem ser divididos em três grandes tipos, que acabam se dividindo mais ou menos assim nas livrarias locais: as tiras de jornais; os quadrinhos do gênero de super-heróis, que acabaram se desenvolvendo tanto que viraram algo à parte; e os demais títulos, de underground para adultos a HQs infantis. Essa divisão faz sentido para você?

Faz, apesar de não gostar e de muitas obras terem furado essas barreiras sendo impossíveis de classificar. Mas é que no começo havia sim uma divisão bem clara entre as tiras, consideradas nobres, e as revistas em quadrinhos, consideradas lixo. Nas revistas, com a Era de Ouro, os super-heróis acabaram dominando o meio a ponto de praticamente virarem sinônimos do veículo (mesmo existindo uma vasta produção de outros gêneros, como o mencionado infantil, algo que se intensificou já no pós Segunda Guerra). Com o surgimento do underground comix, na virada das décadas de 60/70, novos temas entraram em cena. E foram influenciar até os próprios super-heróis.

Quais são seus próximos projetos?

A Skript, graças ao carinho de nossas leitoras e leitores, está num ritmo bem intenso. Como editor tenho várias obras em andamento. Como autor, minha próxima graphic novel é sobre a vida de Antoine de Saint-Exupéry, criador do Pequeno Príncipe. A arte, toda em aquarela e pintada à mão, é da incrível Beatriz Farmi. No roteiro eu tive a consultoria da Mônica Cristina Corrêa, tradutora do Exupéry e que tem contato com a família. Já até fizemos uma reunião com a fundação que cuida do legado dele e estão cientes e apoiando o projeto. O problema é que o “História dos Quadrinhos: EUA” acabou me tomando tempo demais e tivemos que parar nas últimas páginas. Mas agora voltei e logo estará pronto para lançamento.

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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