1 – Três ótimos artistas brasileiros, Germana Viana, Laudo Ferreira e Marcatti, se uniram para criar uma revista erótica: “Ménage”. A primeira edição ultrapassou, de longe, sua meta no Catarse, e a segunda já está a caminho.

2 – A revista “Café Espacial” está comemorando seus 13 anos com o lançamento de uma edição temática. O tema? Erotismo e desejo.

3Tianinha, personagem do Laudo Ferreira, que surgiu em histórias de humor+erotismo, ganhou uma revista própria (e independente, feita na cara e na coragem). Quatro exemplares já foram publicados, e o quinto está no Catarse.

Percebe um padrão aqui?  

Quantos quadrinistas brasileiros você conhece que abordavam abertamente o sexo e o erotismo em suas histórias? Carlos Zéfiro, o mais famoso quadrinista nacional erótico de todos os tempos, não se chamava assim – Carlos Zéfiro era um pseudônimo.

Resolvi conversar com alguns desses artistas para saber mais sobre esse movimento sensual dos quadrinhos brasileiros. Hoje, a entrevista é com a Germana Viana. Amanhã é a vez do Laudo Ferreira.

Como será que surgiu a ideia de uma revista erótica? E o que a Germana, enquanto leitora e autora, se preocupa em colocar em suas histórias? Que quadrinhos nacionais que celebram o sexo ela nos recomenda?

Gostei muito das respostas dela, mas destaco uma:

“Tento sempre representar a diversidade que existe no mundo! Ela é rica demais para que só uma fatia dela, a que um dia foi falsamente estabelecida como padrão, siga dominando todas as narrativas. E no caso das HQs eróticas, esse falso padrão deixa tudo beeeem monótono!

Como é bom conversar com gente inteligente.

Por favor, conte um pouco sobre você. Onde nasceu e cresceu, em que trabalha… Como você começou a ler quadrinhos? Que obras, personagens ou autores te interessavam?

Bom, eu sou a Germana Viana, sou quadrinista e nasci em Recife. Mas tô em São Paulo desde quiança, então terminei misturando os dois sotaques! Sou autora de “Lizzie Bordello e as Piratas do Espaço 1 e 2”, de “As Empoderadas” (que foi vencedor do Prêmio HQMix na categoria de WebQuadrinhos, em 2017), de “Gibi de Menininha Apresenta: PATRÍCIA” e de “Só Mais Uma História de uma Banda”.

Eu sou também a editora e uma das autoras do “Gibi de Menininha 1” (vencedor do troféu Angelo Agostini na categoria de melhor lançamento de 2018 e do HQMix na categoria melhor revista mix de 2018), do “Gibi de Menininha 2” e d’”Os Catecismos de Mama Jellybean”. Ah, e também sou uma das três partes do selo “The Good, The Bad and the Gorgeous”, responsável pelo gibi “Ménage”.

Como surgiu a ideia do “Ménage”? Lançar uma revista periódica no Brasil não é lá muito fácil. Lançar uma revista erótica no Brasil, também não. Como foi que você, em particular, decidiu assumir esses riscos?

Desde que começou a pandemia, e consequentemente o distanciamento social e a quarentena, uma maneira que Marcatti descobriu de matar a saudade foi fazer umas lives surpresa com os amigos. Daí, de repente, tava trabalhando em casa e pipocava no meu whatsapp “ô, bora fazer uma live?”. Numa dessas, eu comentei que bem que a gente poderia fazer um gibi juntos e que poderíamos chamar o Laudo pra brincadeira. O bacana foi que Laudo estava vendo a live e aceitou na hora e ao vivo!

O tesão pelos quadrinhos, e a afinidade, é tanto que quando acabou a live, já engatamos no papo e boa parte do se tornou a número 1, nasceu ali. 😀

Sobre a dificuldade de lançar um periódico e ainda por cima um no qual boa parte das histórias (não necessariamente todas) são eróticas…. Bom, meu amigo, o que não é difícil no Brasil quando falamos de cultura? Daí, difícil por difícil, bora fazer o que deixa a gente feliz!

Quadrinhos eróticos sempre existiram, mas nem sempre o acesso a eles foi fácil. Há algum quadrinho erótico que tem como referência? Ou de alguma outra arte, como cinema?

Minhas referências pro erótico vêm de muita coisa. Literatura, música, cinema, quadrinhos. Um exemplo mais direto e recente são os “Catecismos de Mama Jellybean”, que são inspirados nos “Catecismos” do Carlos Zéfiro.

Mas um lance que rola quando você é mulher e curte quadrinhos eróticos é que nem sempre as obras são generosas conosco, como as mais “clássicas” ou que chegaram a ter um destaque, foram em sua maioria feitas por homens cis héteros. Somos muitas vezes colocadas como objeto apenas, ou seja, se você é um objeto, não existe protagonismo, não existe empatia, e acontece muitas vezes desses caras não saberem o que é uma mulher! Você consegue perceber que o cara nunca comeu ninguém. Daí, uma boa inspiração, mais atualizada e democrática, vem da vida, dos papos com as amigas e amigos, de obras de amigos e colegas também da comunidade LGBTQ e de fanfics!

Você edita e organiza o “Gibi de Menininha”, que são bem mais autores (no caso, autoras). São mais de dez, certo? Em “Ménage”, são “apenas” três: você, Marcatti e Laudo. O que ficou de boa lição do “Gibi de Menininha” que você aproveita no “Ménage”? E o que não deu tão certo e você evita?

Bom, pra começo de conversa são projetos que têm uma metodologia diferente, como no GdM são pelo menos 13 pessoas, eu termino sendo uma figura que centraliza e organiza essa produção. Sou eu quem escolho e convido as autoras da vez, então, eu sou a organizadora e a editora. Já no Ménage, rola uma espécie de triunvirato anarquista que funciona como reloginho.

Quando você escreve & desenha, há algum limite que você se preocupa em não ultrapassar? E há, pelo contrário, algo que você se preocupa em incluir – poxa, a pessoa que vai ler comprou uma HQ erótica, então eu tenho de…

Se tem um fio condutor em qualquer gênero com que eu trabalhe é a diversidade. Tento sempre representar a diversidade que existe no mundo! Ela é rica demais para que só uma fatia dela, a que um dia foi falsamente estabelecida como padrão, siga dominando todas as narrativas. E no caso das HQs eróticas, esse falso padrão deixa tudo beeeem monótono!

Agora, se tem algo que evito colocar em meus quadrinhos, especialmente eróticos, é estupro ou pedofilia, porque nos dois casos, o lance não é sobre sexo, mas sim sobre relação errada e perversa de poder, então, você nunca verá esses dois temas em uma HQ minha onde estou celebrando o sexo.

Entenda, não estou dizendo que estes dois assuntos não devam ser discutidos e refletidos em outros gêneros, desde que acompanhados de seriedade e responsabilidade que os temas pedem, estou dizendo apenas que não cabem, não são adequados, para o erótico. Porque, como disse anteriormente, as duas situações, definitivamente, não estão relacionadas a uma celebração do sexo.

Em sociedades conservadoras, a arte erótica não é vista com bons olhos. Aliás, nem precisa ser erótica. No ano passado, o prefeito do Rio mandou recolher uma HQ de super-herói só porque tinha um beijo gay na capa. Você já ouviu críticas ou ataques por conta do conteúdo de histórias suas? Você se preocupa com receber críticas/ataques? De ser chamada de pornográfica ou algo assim?

Ah, claro que recebi críticas e ataques, sou uma mulher bi e sempre tem muita diversidade nos quadrinhos que eu faço. Mas também recebo uma quantidade muito maior de carinho! Algumas leitoras e leitores sentem segurança para dividir comigo o que sentiram lendo meus gibis, sabe? Lances emocionais mesmo! E isso é lindo!

E para quem vem atacar, é aquilo, queria que o mundo já estivesse numa fase em que não apenas existisse respeito como também celebração pela diversidade. Queria! Mas se não está e eu aborreço quem oprime, ah, meu amigo, então eu tô fazendo meu trabalho direitinho!

E sobre ser chamada de pornográfica? Bom… sou mesmo… hahahahaha ¯\_(ツ)_/¯

Como está sendo fazer o “Ménage”?

Uma delícia! E nem tô sendo sugestiva hahahahaha – sério! Uma das experiências mais legais, o modo de trabalhar de um, completa o dos outros e nós três temos o mesmo pique, responsabilidade e respeito pelo trabalho de fazer quadrinhos!

Você pode indicar ao leitor do Hábito de Quadrinhos cinco boas HQs eróticas nacionais?

Opa! Bora!

Pornolhices”, do Rafael Bastos – tem como ler online na Gibiteca da Poc Con

Tianinha”, do Laudo Ferreira

“Libra”, com roteiro de Nath Bê e arte de LemLem, publicado pela Indievisível Press – aliás, fiquem de olho em tudo o que a IndieVisível faz!

“Deleite – No Fio da Lâmina”, de Paloma Diniz

Melindrosa – Folhetim Erótico Político Fantástico do Séc XXI”, da Aline Lemos – tem como ler online na Gibiteca da Poc Con

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Escrito por

Pedro Cirne

Meu nome é Pedro, nasci em 1977 em São Paulo e sou escritor e jornalista - trabalho no Estadão e escrevo sobre quadrinhos na TV Cultura.
Lancei dois livros: o primeiro foi "Púrpura" (Editora do Sesi-SP, 2016), graphic novel que eu escrevi e que contou com ilustrações 18 artistas dos oito países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Este álbum contemplado pelo Bolsa Criar Lusofonia, concedido a cada dois anos pelo Centro Nacional de Cultura de Portugal.
Meu segundo livro foi o romance "Venha Me Ver Enquanto Estou Viva”, contemplado pelo Proac-SP em 2017 e lançado pela Editora do Sesi-SP em dezembro de 2018.
Como jornalista, trabalhei na "Folha de S.Paulo" de 1996 a 2000 e no UOL de 2000 a 2019.

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